Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

abril 21, 2009

Almas Margaridas





Certas pessoas já nascem etiquetadas e com prazos de validades vencidos. Carregam a inapetência pela vida e se deixam consumir pela pulsação dos dias iguais, como se viver fosse um fardo. Seus traçados são em linha reta e a sinuosidade das curvas que tantas surpresas nos causam, não faz parte do seu viver, por isso trazem, em seus semblantes, as marcas da tristeza, da amargura e do luto.

Conviver com elas é navegar em noites de tempestades, é deixar esvaecer a nossa alegria, para dar lugar ao encadeamento de suas desgraças.
São chamadas de almas penadas porque vivem em completo estado de expiação e temem que, a alegria e o contentamento possam usurpar a remissão dos seus pecados. Planejam a sua vida como um filme preto e branco, feito de desertos, sofrimentos e com um fim presumível.

Quem não conhece uma pessoa assim?

- Elas são vorazes, sugam as nossas energias, alimentam-se do nosso deslumbramento pela vida, e depois, desconcertam as nossas certezas numa tentativa de levá-las a escorrer pelo ralo. São sombras que se abrigam em centelhas, por não terem luz própria.

Ainda bem que, para contrapor a essas criaturas, temos as almas margaridas. Quão belas são!
Seus desenhos são feitos de curvas, que falam de possibilidades... Possibilidades infinitas de fazer, acontecer, dar certo a essa vida cheia de manhas, sôfrega em nos propor desafios para além das nossas combalidas forças.

Alguém conhece uma pessoa assim?

- Elas flamejam por que são feéricas e ao seu toque, tudo se faz vida, alegria e certezas. Iluminam e a sua luz reverbera em nós tornando-nos melhores. Desconhecem o egoísmo, a inveja e a maldade. São dádivas na vida de quem as possui como companhia. Por isso me faço peregrina nos campos e jardins à procura de almas margaridas.

Preciso despoluir-me...

*Este texto é uma homenagem a Nina Sena: cronicasdeumameninafeliz.blogspot.com
*E a menina Beatriz Menéres, pela imagem da margarida

abril 20, 2009

Um Amor Sem







O meu amor não tem passado, nele só existiu você em mim e isso fez toda a diferença.
O meu amor não tem presente, nele as dores ainda se vão.
O meu amor não tem futuro, nele só o passado resiste e este, é feito das minhas lembranças esfumaçadas...
Preciso de um amor que não doa!

abril 18, 2009

Sem Paraquedas







Feito um pássaro eu desejei alçar voos e em manobras aéreas me perder no silêncio até encontrar o eco do teu gorjeio, e contigo aninhar. Não consegui! A tua natureza migratória cansou as minhas asas e os teus arrufos sinalizaram a nossa falta de sintonia.

E agora, estou em meu refúgio – solitária - observando o outono se despedir à medida que o inverno avizinha-se. Então, lembro do nosso último encontro e em meu sítio de memórias, busco as minhas asas e relembro: havíamos saído em bando, mas nos isolamos em nossas semelhanças. Ali nascia uma grande amizade, sem defesa e nenhuma proteção acolhi-me em tuas asas, desejando que elas fossem o meu passaporte para a felicidade. Voamos em céu de brigadeiro e, por um longo tempo, nenhuma nuvem ameaçou a nossa rota, até que um dia, os primeiros sinais de ‘tempestade’ me deixaram em alerta. A primavera estava chegando e com ela, a alternância e a renovação da vida te convidavam a migrar. Aceitaste o convite! A tua natureza revelou-se na linguagem da despedida e, em meio à turbulência do nosso último voo, partiste deixando-me sozinha... Sem paraquedas!

E hoje, refeita de todo o encantamento que a tua presença provocou em minha vida, eu caminho nas minhas saudades, lembrando que uma andorinha só não faz verão... E recolho as minhas asas partidas.

abril 16, 2009

A Vida do Campo no Campo da Vida







Entre o burburinho da cidade e a doce paz que há no campo, a minha imaginação passeia e eu lembro que deixei pendurado no varal da minha existência um desejo antigo: viver a vida no campo!

A reedição do meu sonho de menina, que eu estreio em pensamento hoje, inunda as minhas lembranças e trazem à tona as minhas saudades esquecidas: acordar cedo, tomar leite colhido direto do peito da vaca, caminhar pela relva de pés descalços - sentindo o vento frio em meu rosto -; ouvir o trinar dos passarinhos a desafiar as horas, que passam lentamente, assistir a um entardecer feito de silêncios e ter uma rede na varanda para abrigar os meus sonhos. Tudo traz para o meu querer a pulsação das urgências: preciso viver no campo! Longe da poluição do ar que me sufoca e da sonora, que afeta a minha audição e me impede de ouvir a musicalidade que vem das águas dos rios, dos mares e das cachoeiras. Longe da violência, e da vida noturna da cidade grande, que desconhece a beleza de uma noite de luar, tendo como fundo musical os acordes de uma viola, e como companhia, um céu bordado de estrelas.

A vida no campo me faz feliz! Abastece de sorrisos o meu viver e cultiva o meu encantamento pela natureza. Por isso preciso pegar carona nessas recordações, para despertar de vez as minhas vontades e tirar do varal o sonho, trazendo-o para a realidade.

abril 14, 2009

Prazer





Prazer, sentimento que nos leva a abrir a comporta dos nossos desejos. Muito já se falou sobre as suas diversas formas e a maneira como reagimos a ele, mas pouco se disse sobre a vulnerabilidade que estamos expostos, quando nos deixamos cegar por esse contentamento e esquecemos a transitoriedade da sua natureza.

Ao nos enredarmos pelos meandros do prazer, devemos estar atentos ao significado que emprestamos aos nossos quereres uma vez que a felicidade proporcionada nos leva à ilusão de posse e de eternidade, quando o que temos são só momentos, onde as nossas urgências encontram abrigo e a felicidade, feita de instantes, se faz possível.

Há pessoas que violam todos os códigos de conduta, esvaziam a alma de pudores e se deixam levar pela efemeridade do prazer. Esquecem ideologias, trocam de partidos, fazem conchavos de toda natureza objetivando conseguir a satisfação, sempre ilusória, de que o desejo incessante dele – o prazer – justifique todos os meios para alcançá-lo. São eles, os amantes do poder, que esquecem a ética e a moral em função da saciedade, de um desejo que lhes massageie o ego. Para essas criaturas, o abecedário que empregam na cartilha onde ensaiam os seus discursos, só forma uma frase: que nos locupletemos todos e que se dane a Nação.

Esse é um prazer obscuro, manejado com destreza nos palanques da vida desse país e que parece se repetir “ad infinitum” ou até o momento, em que a nossa indignação possa dizer: chega! E com isso provarmos o quão ilusório e passageiro ele pode ser.

abril 01, 2009

O Árbitro






Nas últimas 24 horas, falei ao telefone com algumas pessoas, entrei em contato com outras e li alguns artigos nos jornais sobre assuntos que me interessam. Cheguei à conclusão de que é surpreendente a maneira como cada um reage aos diversos estímulos que a vida oferece. Até aí tudo bem, é a lógica imperando, afinal de contas, somos seres ímpares. Mas, o que mais me deixou surpresa, foi perceber o dedo indicador que certas pessoas apontam na direção do outro, como se a todos – que se fazem julgadores - Deus tivesse dado a posse ou investidura ao cargo de juízes da humanidade.

O fato é que, estão sempre julgando o seu semelhante, quer seja nas relações profissionais, de amizade ou de uma maneira geral. Investem-se defensores de plantão da ética, da moralidade e dos bons costumes, sem nem ao menos saberem o que isso significa.

Ora, meu amigo, eu digo que ser ético é não se arvorar em árbitro. É ter o sentimento do mundo pulsando em si, sabendo que a cada um de nós é dada a responsabilidade de fazermos ao outro, aquilo que gostaríamos que nos fizessem.

Experimente fazer um teste. Tente se colocar no lugar do outro. Atravesse a fronteira do seu egoísmo, do seu ‘muro de berlim’ e veja que há vida lá fora, longe dos seus domínios e distantes dos muros por meio dos quais você se protege e se esconde. Deixe de ditar normas, de dizer que faria melhor, ou então, coloque-se no lugar do outro e promova as mudanças necessárias. Desça do palanque, vá à luta e faça melhor, se é que você é capaz.

Ora, meu amigo, eu digo que a moralidade atravessou as barreiras do tempo, e se adaptou à modernidade, fazendo com que alguns “conceitos” de certo e errado, de próprio e impróprio, fossem revistos ao longo do tempo.

Eu digo que ser ético, ter moral é não tripudiar das escolhas alheias, é respeitar a diversidade, é fazer-se uno com o sofrimento do seu semelhante, entendendo que, na escalada da vida, todos nós tropeçamos, de uma maneira ou de outra, quando nos arriscamos em busca do que nos faz felizes.

Ser moral é ter a coragem de confrontar as suas verdades diante do espelho da alma, e sentir o que o véu da lucidez lhe revela, para além das máscaras que você se impõe no dia a dia. É saber-se humano, é errar, mas compor com os seus desacertos, pequenos mosaicos que darão vida ao desenho da sua existência e que mais adiante, - lá no futuro –farão você se orgulhar de ter tentado, de ter vivido, e construído o seu próprio percurso e não aquele que ditaram para você. Porque vai ter sempre alguém lhe apontando soluções prontas e porções mágicas, para fazer a sua vida acontecer. Vai ter sempre alguém desejando-lhe marionete, para exercer poder sobre a sua vida.

E eu digo que, em se tratando de bons costumes, nada é mais correto do que respeitar a humanidade de cada um, dando-lhe a oportunidade de exercer o seu direito e a sua cidadania e, consequentemente, os seus acertos e desacertos.
Pois, como afirmou a professora Ana Adelaide Peixoto, em seu texto Conversando Fiado: “na vida, não existe erro, mas sim, material para construção do nosso próprio percurso”.

E eu digo, ainda, que ser árbitro é tentador, pois tira o foco das nossas fraquezas e das nossas limitações, para centrar o material de artilharia no outro que, muitas vezes, só cometeu um único pecado: quebrou o espelho de Narciso.

“E Narciso acha feio o que não é espelho”.