Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

janeiro 02, 2012

Uma Carta para Minha Filha




Outro dia, enquanto conversávamos, a minha filha quis saber sobre o valor das coisas. Não no seu sentido material, mas sobre o grau de importância que determinados fatos têm e como eles afetam o nosso processo de formação e influenciam na maneira como enxergamos à vida. Por isso, resolvi escrever-lhe esta carta.
Minha filha,
A minha infância transcorreu sem maiores problemas, porque tive a sorte de ser filha de pais que tinham excelentes condições financeiras. Porém, nela não havia espaço para brinquedos, festas de aniversário, nem contos de fadas. Para eles, apenas estudo e boa alimentação eram prioridades...
Morei numa rua em que todas as meninas da minha idade eram filhas únicas e mimadas. Nada lhes era negado... Os meus olhos de menina, daquela época, viam desfilar diante de si todas as bonecas e brinquedos que eram lançados no mercado e que depois iam enfeitar as prateleiras dos quartos cor-de-rosa que tanto encantaram a minha infância.
Festas de aniversário! Essas eram temáticas, cada uma mais bonita que as outras. E, para colorir e embelezar ainda mais esse mundo infantil, das minhas amigas, histórias de contos de fadas lhes antecipavam uma boa noite de sono e sonhos.
Eu, porém, cresci com poucos brinquedos e esses, comprei-os na feira: panelinhas de barro para brincar de cozido, bonecas de pano (que chamávamos de bruxas de pano) e outras que eu recortava das revistas de papelão. Lembro-me, também, de um bambolê que ganhei de uma tia.
Festa de aniversário!? - Nunca comemorei! E as histórias de contos de fadas eu mesma lia para mim, surgindo daí o meu gosto pela leitura, que teve seu início com as revistas Lulu e Bolinha.
Porém, numa certa noite de natal, quando a minha espera pelo brinquedo desejado, já cansara de esperar, eis que surge, junto aos meus sapatinhos, a boneca mais linda que alguém já pôde ganhar. Não tinha cabelos, nem roupas, apenas uma fraudinha, uma mamadeira e um urinol. Se eu fechar os olhos, agora, mesmo já tendo transcorrido tanto tempo, consigo reviver a cena com a mesma emoção e alegria... Inesquecível! Aquele presente ficou feito tatuagem em meu coração e na minha memória.
E, sabe por que eu lhe conto tudo isso nessa carta? - É para responder a sua pergunta sobre o valor das coisas.
- Quando você e seus irmãos nasceram eu proporcionei-lhes tudo o que o dinheiro podia comprar, entre brinquedos, festas e outros bens materiais. Queria dar a vocês o que nunca tive... Um dia, chamei cada um, em separado, e perguntei-lhe qual o brinquedo que mais o havia marcado ou que lhe trouxera maior alegria. Todos deram a mesma resposta: - mainha, foram tantos que eu nem lembro mais...
Então, nessa hora, a vida me ensinou o real valor das coisas... Quando nos faltam, valorizamos! Quando temos em abundância nem a memória nos ajuda. E, isso serve também, para medir a importância das pessoas em nossas vidas, pois muitas delas viram móveis e utensílios ou um adorno a mais a enfeitar as prateleiras da nossa existência.

5 comentários:

chica disse...

Tocante, profunda e cheia de sabedoria essa carta para tua filha! Adorei ler e concordo contigo!beijos,feliz 2012!chica

Dani Almeida disse...

E hoje, enquanto revejo as fotos de infância e recosturo os retalhos da minha história no meu novo álbum de fotos, projeto de férias, sou tomada por uma emoção difícil de explicar. Me lembro, então, que você esteve sempre ali, nos menores detalhes, do babado do vestidinho igual ao seu à nota já borrada da canetinha que marca meus 2 anos, 4 meses e alguns poucos dias. Obrigada, mainha!

lis disse...

oi Julieta
Estar com voce é bom em qualquer cantinho mas nesse tem esse sabor especial que é a lembrança do nosso amigo tão lindo ,gentil e talentoso , Rolando Palma- entrar aqui e ver o banner lindo e inteligente que ele te presenteou é muito bom - nunca mais vamos esquece-lo, nao é?
A carta da sua filha também uma gostosura reler , parabéns as duas mae e cria rs são lindas!
um abraço grande desejando que 2012 lhe seja perfeito, muita saude, muita inspiração e muito amor. Todos os amores tá?
beijinhos

Luma Rosa disse...

Alguns pais dão aos filhos tudo aquilo que eles não tiveram, na vã esperança de que suas lacunas serão preenchidas, mas cada vida percebe ou dá valor aquilo que sua essência lhes carece. Como quem recebe amor em demasiado e mesmo assim se sente pouco amado, porque o amor não vem de quem seu coração bate mais forte. O valor das coisas não vem da satisfação que elas nos proporcionam, mas do tempo cativo que essa satisfação perdurou.
Bom fim de semana! Beijus,

libel disse...

Julieta acho que essa carta deveria fazer parte das sete maravilhas do mundo.

Para mim foi uma honra poder ler, honra maior seria abraçar nesse momento a autora e segredar-lhe ao ouvido: Obrigado.