Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

maio 24, 2012

Manual de Sobrevivência




O velho manual de instrução estava ali ao alcance das suas mãos, mas ele desdenhava, olhava de soslaio, evitando comprometer-se. De que lhe serviam aquelas páginas gastas, fruto da experiência alheia!? Queria sorver a vida de um só gole, levantar um brinde a si mesmo e dizer: não dependi de ninguém!

Fonte de prazer e de orgulho foi gastando a frase até se deparar com a solidão, essa velha amiga de todos nós. Recorreu, então, às compras, à bebida e às drogas na tentativa de suprir o abandono ao qual se entregou.

(...)

Hoje, refeito das dores e com mais experiência ele diz:

- Vivo na contramão das coisas. Enquanto uns acumulam bens, serviços e honrarias, eu pratico o desapego daquilo que ao longo do tempo classifiquei como prioridade... Os meus passos outrora hesitantes se encaminham, hoje, céleres para o terreno fértil das coisas simples. Há tão pouco tempo para sentir! Que falta me fez um manual de instrução com as palavras amor e sabedoria em letras maiúsculas, no início do meu caminhar.

Ao nascer me foi dito que a conquista da felicidade era para os mais fortes, belos, sagazes e disponíveis para viver os prazeres da vida.  Orgulho, vaidade e ambição eram o trio de ouro que me levaria ao pódio. Dinheiro e poder o fio condutor para esse almejado lugar.  Ninguém mencionou as palavras amor e sabedoria! Essas, somente o tempo nos apresentou, apesar de conhecê-las por meio de alguns velhos clichês: só o amor constrói; e, dinheiro paga a conta, mas não traz felicidade. 

Vaidade! Tudo é vaidade. Está escrito no mais antigo de todos os livros. Por que será, então, que teimamos em não enxergar o óbvio? O que mais se vê por aí são egos inflados por letras mortas e palavras sem vida!  Buscamos honrarias, mas esquecemos de duplicar o conhecimento em favor do bem comum.  Viver é tão simples, ser feliz mais ainda, no entanto, investimos tempo e esforço naquilo que está distante de nós e esquecemos o amor, fonte de toda sabedoria!

Pensando nisso, lembrou-se do velho manual de instrução, que o amor de  mãe havia colocado em suas mãos para que as dores do mundo não lhe pesassem tanto e sorriu...

Afinal, a vida ensina!



maio 20, 2012

Atitude





Há algum tempo, o professor de redação pediu-me para dissertar sobre um tema qualquer e, naquele dia, nada parecia mais pertinente, pois eu sangrava por dentro.  Então, escrevi: - eu rasgo o verbo com o meu amor, abro um sulco nas minhas feridas e exponho as minhas cicatrizes, mas tomo uma atitude. Nascia ali, nas páginas da minha dor, a escrita mais sincera que alguém ousou colocar nas pautas de um caderno.

Sem preâmbulos, fui logo dizendo que em mim as palavras não adormecem, elas ganham asas e saem rumo ao seu destino. E, naquela hora, a direção era você. Cobrava-lhe uma atitude! Sim ou não era a resposta ansiada. Talvez, amanhã ou depois seriam frutos de sua indecisão... Não me interessavam.

Pedi-lhe um posicionamento, você respondeu-me com o seu silêncio e, mais uma vez, na ausência das suas palavras perdeu-se o encantamento do meu sentir: acabou-se o amor, diluiu-se o desejo e a minha admiração.

Já não lembro mais o seu rosto, esqueci a sua voz, o som dos seus passos e o perfume do seu corpo. Você não se encaixa mais nas minhas lembranças e, hoje, o passado só me serve para fazer poesia e brincar com as palavras.

Por isso, coloquei nos dedos a sua hesitação e com ela escrevi o tema. Tomei uma atitude e esqueci você!





maio 12, 2012

O Medo e a Vontade




Flavia, do blog "sabe de uma coisa?" escreveu: "(...) ainda não aprendi a manejar com destreza nem os sentimentos, essas pulsões ininteligíveis, nem a palavra, essa lâmina expurgadora (...) E não é que seja essa a minha vontade - essa é a vontade  do meu medo, da minha inexperiência em domá-las”. Por outro lado, o escritor Paulo Coelho nos diz: - “as palavras são a vida colocada no papel”.

Como ficamos então se o nosso medo é maior do que a nossa fome de palavras e elas são a vida descrita no papel?

- Ainda não sei, estou tentando descobrir. Porém, acredito que a vida de verdade é escrita no silêncio, pois o medo que nos leva a domesticar os signos é fruto, talvez, da total incapacidade das pessoas em traduzi-los e, por isso, nos fechamos nessa ausência de ruído.

O escritor Leo Buscaglia nos diz que há muitos tipos de símbolos. A linguagem oral – ou escrita - é apenas um deles. Diz, também, que as coisas mais lindas poderiam acontecer se nos calássemos.

Meditando sobre isso, nesse dia chuvoso, propício a lembranças e saudades, eu me pergunto:- por que será que quando calo a minha fome de palavras, tudo que me resta é a tua ausência e o teu silêncio? Será que a vida te dói tanto na alma, que preferes escondê-la das pautas do teu caderno domesticando os símbolos para não expor a tua nudez? Se tudo isso é verdade tenho que lamentar, porque como disse Leo, em seu livro, “Vivendo, Amando e Aprendendo”: “basta uma coisa muito, muito pequena para nos unir e, no entanto, estamos todos tão juntos, mas morremos de solidão”.
  
Lembro-me, agora,  da vontade e do medo de Flavia e desisto de buscar o entendimento. Opto por traduzir os sinais das páginas do meu silêncio, libertá-los e confessar sem receio: eis a minha vida e a minha alma expostas no papel. Sou eu em carne viva! Sou eu, ainda... Tua!




maio 06, 2012

A Vida em Pequenos Gestos



Em dias de temporal... Sou criança! As lágrimas do céu purificam-me deixando-me em estado de leveza e quietude. Deixo-me seduzir pelas lembranças e o meu avesso sai a passear com o adulto que eu me tornei. É a oportunidade que tenho de lavar a minha alma, de corrigir o meu percurso e de observar a vida em seus pequenos gestos.

Em dias de temporal... Sou menina! Desligo a TV, não leio jornais nem revistas, não quero saber da crise por que passa o mercado internacional, tampouco sobre a última cotação do dólar. Não viajo nem olho vitrines! Em dias de temporal... Já disse: sou menina! Pego a vida pelas mãos e saímos a passear por aí, procurando alguém de sorriso e coração abertos para alegrar o dia e apaziguar a alma.

A vida em flash de memórias convida-me a olhar lá fora e tal qual um filme em preto e branco revejo-a como ela é: uma sucessão de acontecimentos, uma roda gigante que não para de rodar, intercalando movimentos de subida e descida para nos mostrar que nada é para sempre; nem as tristezas nem as alegrias, somente as boas lembranças... Essas, sim, oriundas dos pequenos gestos, são as responsáveis por encherem os nossos dias de uma alegria inefável. 

Olho ao redor e me detenho a observar o vaivém das pessoas, que em movimentos frenéticos ligam á TV; leem jornais e revistas, apressadamente; acompanham as notícias do mercado cambial através da internet e certificam-se das últimas decisões do governo. Viajam e olham vitrines... Diariamente!

Então, eu penso: se tudo se repete e se a roda gigante em sua subida e descida nos faz enxergar as oscilações do nosso viver, por que será que não nos damos conta de que somos viajantes de uma terra onde a felicidade só se encaixa nos pequenos gestos? 

Nessa hora, desejo que um temporal desça sobre mim e lave a minha casa de dentro inundando espaços e porões, por onde as teias de aranha teceram certezas de que a vida é só essa repetição de fatos... Já não sou adulto! A criança que há em mim deixou-se seduzir pelas lágrimas do céu e descobriu a vida em seus pequenos gestos.

maio 01, 2012

Amor e Liberdade




Existem amores que carregam no peito o lema: sem jeito pra ser feliz! Entendem-se bem com a poesia quando derramam seus versos nas páginas em branco, mas não encontram espaço na vida real. Faltam-lhes as asas da liberdade, pois amar é morar dentro do outro sem tomar posse. 

O amor deveria ser uma casa de portas e janelas abertas, para que pudéssemos entrar e sair livremente. Uma casa de passagem onde a alegria do encontro, da cumplicidade e do companheirismo fossem responsáveis por retardar a despedida e, quando houvesse, que ela tivesse a medida do respeito e da admiração dos primeiros dias.

Mas não é isso que acontece, apesar de vivermos uma época em que a liberdade amorosa é tão cultuada. Há sempre nas relações atuais, uma porta cujo indicativo saída de emergência parece invocar a impermanência e, por ali passam a intolerância, a violência e o desamor. Queremos amar e ser amados. Falamos tanto sobre o amor, celebramos esse sentimento em cantos e em versos, mas o que prevalece, nesses tempos modernos, é um novo conceito de escravidão, onde se barganha a posse do outro em troca de um possível afeto. Afeto que está mais para jugo, subserviência e senhorio do que para o amor, pois quem deseja subjugar o outro desconhece a liberdade da alma e a sua capacidade de se doar livremente...

Desconhece, também, que quanto mais livre somos mais fazemos festa dentro de nós para celebrar esse porto seguro, que é dormir e acordar dentro dos olhos do ser amado... Eternamente! E, que essa, sim, é uma “escravidão escolhida” e, só por isso, tão importante e duradoura.

Por isso, estamos fadados a encontros e desencontros, enquanto não aceitarmos que tu e eu podemos ser uma equação feliz, a partir do momento em que reduzirmos às expectativas, em torno das quais construímos o nosso patrimônio emocional, a um único objetivo: à felicidade de morar dentro do outro sem tomar posse, pois o verbo amar para ser conjugado precisa de liberdade.