Diariamente,
caminho pelas ruas dentro de mim e encontro três mulheres. Anônimas! Dei-lhes o
nome de Maria: a santa, a mãe e a outra.
No jogo da
vida, Maria, a santa, vence de goleada. É imbatível e a todos encanta. Geração,
após geração destoa dos costumes vigentes e da modernidade mantendo-se incólume.
Com a sua áurea de santidade, convence aos outros de que reta é a sua conduta e
que foi concebida para a liturgia do lar... Nada mais a acrescentar sobre ela.
Maria, a
mãe! Lava, passa, cozinha e educa... Tem
carta branca para entrar no paraíso, pois na contabilidade da sua vida somente
doou carinho, afeto, amor e cuidados. Os filhos são o seu único tesouro.
Poderíamos chamá-la, também, de renúncia, pois colocou cercas ao seu redor.
Despediu-se da vida quando um frescor interno ainda habitava a sua alma.
Poderia ter alçado grandes voos, mas optou por viver à sombra dos que brilham. E,
isso é tudo o que sei sobre ela.
Maria, a
outra! O próprio nome já lhe pesa... A que poderia ter sido e não foi. Nela há
uma rebeldia latente, um desejo enorme de transgredir... Por anos a fio guarda
dentro de si uma inquietação que lhe consume os dias e as noites. Debruça-se
sobre as lembranças do passado e não aceita que a sua condição de mulher seja
passaporte para o atraso das ideias, dos costumes e, principalmente, da justiça
social. E, no fluxo de suas incertezas, no silêncio contemplativo das
madrugadas, pergunta-se:
- Por que me
sinto assim despovoada, estrangeira de mim mesma? Qual o meu lugar no mundo se
me tiram o direito à voz e à vida? Aonde
me encaixo no momento atual? Estudo, trabalho, pago os meus impostos e estou em
dia com as minhas obrigações cívicas: ajudo a eleger aqueles que vão decidir o
destino do meu país. Por que, então, cerceiam o meu direito de ir e vir
colocando-me um cabresto, que me desvia do caminho e do avanço significativo
das ideias que libertam? Pensando nisso, pede:
- Não me
obriguem a olhar para o passado, pois nele eu só enxergo a santa e a mãe. Elas ainda permanecem no altar do tempo, mas a
outra, hoje, é a mulher que mais percorre caminhos, dentro de mim, nas noites
insones, pois tem muita sede de viver. E,
em sendo assim, dou-lhe voz e vida tirando-a do anonimato.
- A outra
sou eu: moderna, atual, senhora do meu destino e dos meus desejos. Uma mulher
bem resolvida... Sou, também, a santa e
a mãe. Juntas, formamos uma trindade pensante. Indissociável. Só não vê quem
não quer!