Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

outubro 05, 2012

Em Tom Confessional




Cansado das entrelinhas e do jogo de palavras que escondem a nudez da minha alma você propõe uma trégua e pede:

 - Fale-me do tempo e do amor, em tom confessional!

 Tento articular algumas palavras para esquivar-me, mas é inútil.  Você tem fome de leão e está disposto a dilacerar até o último pedaço da minha intimidade. Desde já, assume as funções do vicariato e fica à escuta. Promete segredo. Diz que veio em missão de paz. Afinal de contas, hoje, somos apenas bons amigos.

Esgotada, física e mentalmente, por uma luta interna onde as vozes do meu querer levam-me de encontro à realidade, estendo as minhas mãos, mostro-lhe três folhas em seus tempos; passado, presente e futuro e confesso-lhe:

- Meu coração era jovem e verde como a esperança! Uma sala de espera, um lugar onde, pacientemente, eu bordava todos os meus sonhos. Tinha a alma tatuada com a frase: desistir, jamais! E, um abraço lambuzado de palavras doces.  Naquele tempo, eu não sentia saudades de mim porque tudo ainda era floração. O relógio, em compasso de espera, fazia as horas passarem lentamente, enquanto a minha vida desabrochava em todo seu esplendor, contemplando um belo porvir! Eu me preparava para viver um grande amor.

Então, eis que surgiu o momento presente e eu deixei a sala para ganhar às ruas. Estava pronta, amadureci.  Encontrei o amor e fiz dele o inquilino do meu coração.  Abri os braços e ofereci-me como agasalho para os tempos de tempestades e incertezas. Fiz a doação de um sentimento incondicional.  Fui um templo de alegria e respeito, um porto-seguro, mas de nada adiantou. Você – o amor que eu encontrei – carregava sempre uma mala, o desejo de partir e o passaporte em mãos.  A luz cambiante do momento presente o seduzia e a inquietação da sua alma viajante transformava o aeroporto em porta da sua casa. Mal chegava e já estava de partida. Sabe Deus para onde! Quiçá, para outros braços... Não o vi mais, durante anos.

Porém, quando o futuro começou a mostrar a sua cara e, com ela, uma solidão desenhada: os achaques da idade, os primeiros cabelos brancos, as rugas e cicatrizes do corpo e da alma, tudo isso fez você se aperceber de que as horas passaram inclementes. Já não lhe sobravam anos para tanta aventura. Por isso, tentou voltar à época da sala de espera – quando o meu coração ainda era jovem e inexperiente - e procurou o porto seguro do meu afeto, mas só encontrou a solidão do cais, pois eu também resolvi partir deixando-lhe apenas um bilhete em tom confessional:

“Meu querido,

Passado, presente e futuro – as três folhas secas - são partes de uma mesma árvore e podem significar a morte ou a ressurreição. É tudo uma questão de escolha. Você preferiu a morte. Eu, a vida, mas, agora, é tarde demais para nós dois. Estou amando novamente.  Adeus”!


3 comentários:

AC disse...

Juliêta,
Gostaria de ver essa determinação em muitas mais pessoas. O mundo seria, com toda a certeza, bem mais habitável.

Beijo :)

Sueli disse...

WOW!!!! Sem palavras, Ju! Vejo-me nas suas palavras. Arrasou! Beijp!

lis disse...

Oi Juliêta
Lindo demais esse 'tom confessional' que me faz lembrar Chico Buarque na música que diz"quando voce quiser me rever já vai me encontrar refeita,pode crer!" hehehe e "quantos homens me amaram bem mais e melhor que voce" kkk
isso é ótimo querida .
Adorei o seu 'tom'- és minha poetinha preferida.
muitos abraços,saudade de ti.