Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

novembro 10, 2012

Excesso de Bagagem











Vendo-me triste, alguém pergunta:

- O que te faz feliz?

Sem titubear, respondo-lhe que receber e enviar cartas de amor, escritas à mão, devolve-me o sorriso. Surpreendido com o inusitado da resposta, indaga-me:

- Por quê? E, eu lhe digo:

Porque ao abri-las sinto o perfume da felicidade e quando escrevo, nenhuma parte de mim se esgueira por entre os parágrafos. Ali, sou eu nua; amando sem máscaras e sem medo de ser feliz.

No acervo pessoal das minhas melhores lembranças, há sempre um carteiro e uma caixa de correio abastecendo-me de sorrisos e de sonhos. E, na memória afetiva, ecos de um tempo que ainda ressoa em mim lembrando-me de uma jovem que era feliz por que amava, era amada e sentia desejo de partilhar esse afeto com toda a humanidade.

Na construção da narrativa, daquela época, o amor era a coisa mais importante. Ele era o fio condutor para uma vida plena e feliz. Tudo o mais era valor agregado; necessário, mas não indispensável.  Não havia excessos, tampouco prazos de validade.

Porém, hoje, quando os arautos da má notícia anunciam o ‘fim do mundo’ para o dia 21 de dezembro, do corrente ano, preocupo-me com proximidade da data e resolvo fazer um inventário dos meus bens, para melhor aproveitar o tempo que me resta. Perdida nos pensamentos chego à conclusão de que dará excesso de bagagem, se eu resolver levar  o que acumulei durante décadas, pensando que tudo aquilo era a felicidade: casas, carros, títulos de clube, celulares, notebook, roupas de marca, aplicações e algumas quinquilharias... Lembranças das viagens que fiz.

Perplexa, constato que nada daquilo caberá no meu caixão - ele não tem gavetas - nem nos sete palmos de terra destinados a mim, quando chegar à derradeira hora.

Entre surpresa e aliviada por não carregar mais nenhum peso, decido que já é hora de despojar-me também, das vaidades, das ambições, do orgulho, dos rancores e mágoas que alimentaram a minha alma nessa breve passagem pela vida. E agora, que me encontro livre, leve, solta e sem nenhuma carga, sinto-me triste. E, essa tristeza que você vê no meu olhar empanando-lhe o brilho, é pelas pessoas que ainda valorizam coisas que as traças e a ferrugem vão destruir, pois, nesse exato momento, quando penso em felicidade, só me vem à mente aquela época em que a alegria corria solta pelos meus olhos. Por isso, volto à sua pergunta:

- O que te faz feliz? E, reafirmo.

Sinto-me feliz quando abro as cortinas do passado e uma saudade imensa invade-me de tal forma, que eu roubo uma fatia do tempo e percebo que ali, naquele antigo cenário; composto por um carteiro, uma caixa de correio e pelos bordados da minha imaginação está a melhor parte de mim... A mais feliz!  Sem excessos e sem  bagagem.