Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

julho 05, 2013

Um Cacho de Rolete


Por esses dias, uma saudade gostosa andou pedindo hospedagem ao meu coração e, em troca, passou a nutri-lo de boas lembranças. Porém, as horas inclementes correram apressadas e dispensaram as minhas súplicas seguindo o seu caminho na aposta contra o tempo.

Um cacho de rolete, simples na sua materialidade e capturado pelas lentes sensíveis do repórter fotográfico Antônio David, trouxe à tona, em cascatas, memórias involuntárias de um passado ainda tão recente...

Poxa, que saudades! Dos sabores da minha infância e da alegria que corria solta pelos vales dos meus sonhos de menina... Uma escada para o céu era o limite das minhas fantasias. O resto era possibilidades a ganhar terreno no decorrer dos dias.

Na geografia da minha vida o tempo fez história, pois as vozes da memória ainda ecoam dentro de mim, negociando prazos para que o esquecimento não troque a paisagem dos meus sonhos.

Sou um ser ambulante, que vive um ritual de adeus parcelado...

Nas folhas já escritas da minha história não cabem novas palavras. Tudo está completo: cores, sabores, cheiros e amores. E, basta a imagem de um cacho de rolete para ativar os meus sentidos...

Então, nessa hora, a nudez da minha alma fica exposta e, sem querer, digo quem eu sou:

- Sou antiga, sou museu. Fora do dentro, não há vida... Não, para mim! Não há esperança para o novo!

O novo me é estranho. Nele a vida se esvai, acanhada por silêncios, omissões, ausências e solidão. Nele os verbos não cabem no instante em que o meu olhar encontra o teu, as palavras fogem em ritmo de trem bala e os sentimentos e sentidos são faturados de acordo com o ponteiro do relógio. Não há tempo para contemplações! Tudo é veloz, prático, fugaz, passageiro...

No novo, um cacho de rolete é só um cacho de rolete, assim como a maquiagem descartada no algodão, que eu jogo no fundo da lixeira. Nele - no algodão - não existe nada de mim.

O que eu sou permanece na face que oculto, pois no dentro, no meu museu cheio de lembranças, um cacho de rolete tem cor, sabor e cheiro de infância. Tem cheiro de mim... Quando ainda não era poluída pelas máscaras do cotidiano.

4 comentários:

chica disse...

Lindas tuas lembranças e a saudade que surgiu de repente. Adorei te ler! beijos,tudo de bom,chica

Solange Maia disse...

meu Deus.... como você escreve !!!

como transborda vida, exala-a por cada poro, em cada vírgula, em cada canto...

não há poluição alguma.
não há.

estendo as mãos querendo alcançar o rolete, porque o cheiro, o sabor, a translucidez da cana ao sol, estes todos, tuas palavras já trouxeram pra cá...

beijo imenso

lis disse...

Lindas lembranças Juliêta
e há sempre uma imagem seja do que for a nos encher a memória das saudades de casa... e a foto do rolete é perfeita porque lembra a melhor parte_ a infância.
Lindo texto minha linda
obrigada por partilhar _ as vezes demoro mas sempre tenho-te comigo.
um abraÇO

Dani Almeida disse...

E esse texto me lembrou um sermão do Padre Fábio de Melo que, com sabedoria, diz que sua alma é antiga. É lindo. Se eu achar, te envio. Divino texto, parabéns! :)