Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

agosto 17, 2013

Quase Autobiografia











De tudo o que digo fica um pouco de mim, mas do que não falo – calo - sou eu inteira...  Autobiografando nas entrelinhas.

É interessante observar como as pessoas que você conhece e com quem conviveu por, apenas, um curto período, tomam posse da sua identidade e dizem de maneira enfática: conheço essa pessoa como a palma da minha mão! Em se tratando de mim, discordo! Ainda não entreguei a minha alma nem a ofereci como escambo. Portanto, ninguém conhece ninguém...

Carrego muitas pessoas dentro de mim, que não se encaixam na palma da mão de quem quer que seja. Fico brava quando vejo alguém dizer que me conhece muito bem. Não, ninguém me conhece tão bem quanto eu mesma! O que eu fiz ou quem eu fui no pretérito, passou... Eu me reinvento a cada instante! Aprendo com a dor, com o sofrimento, com os sonhos desfeitos, com as ilusões perdidas e, também, com a ventura, a alegria e a felicidade. Por isso, um aviso aos navegantes que viajaram comigo em um barco chamado passado: por excesso de carimbos o meu passaporte venceu. Tirei outro, renovei a fotografia, acrescentei dados e anos que contam um pouco mais sobre a minha história e quem eu sou.

Não sou mais solteira, viúva ou divorciada. Não sou mais tanta coisa!  Casei comigo mesma. Assumi os meus erros, os acertos e revi os passos do meu caminho... Renasci. Aqui, nesse lugar onde estou hoje, tem um pouco do que já fui, sim, mas muito de mim ainda está em construção.  E, é aqui, que eu me reinvento todo dia... Sou um aprendiz do caminho!

Então, como pode alguém que me conheceu há dez, vinte, trinta ou quarenta anos dizer que me conhece muito bem? A minha biografia ainda não foi escrita. E, só eu posso escrevê-la, portanto não tentem me definir ou me encaixar nas palmas das suas mãos...

Eu sou muito mais que isso, que vocês sabem e falam a meu respeito.

agosto 03, 2013

A Epifania de Um Instante




Abro a página do Word e uma tela em branco me desafia. Lá fora, as notícias sobre a visita do papa; os jovens em marcha redescobrindo a força da sua juventude e a chama dos seus ideais; o grito desesperado dos excluídos de todos os credos e uma variedade de assuntos pode, sem dúvida, preencher as páginas em branco desta tela. Mas, lá fora, a canção da chuva também desperta a minha emoção e tira-me o foco das manchetes dos jornais e revistas. Nela, eu me reencontro vendo a vida passar em câmara lenta, enquanto no meu coração desfila uma coleção de saudades. Então, nessa hora, lembro-me de uma frase que li:

- “A vida vivida não passa de tempo perdido...”, que eu ouso recuperar através das minhas lembranças, na tentativa de estancar o fluxo das horas e acalmar o meu coração em desalinho.

Ah, tempo, como sabes ser cruel! Um dia, quando eu mais precisar de ti, para revolver o meu passado e ordenar as minhas ideias, as palavras irão me distrair deixando um silêncio constrangedor ao meu redor... Silêncio e solidão!  Mas, enquanto o futuro não vem, eu faço a festa desse instante em que a chuva, lá fora, traz reminiscências de um passado ainda tão recente. Nesse momento, eu abro a minha coleção de saudades e penso: - a vida é uma eterna despedida. Estamos sempre desembarcando em algum porto, deixando pelo caminho, passos, sonhos, amores, esperanças e saudades. Preciso aproveitar melhor o instante, pois como disse o mestre Rubem Alves: “O sol que se põe é triste, orgasmo final de luzes e cores que se vão”. E, com ele, acenando-me com o vazio, se vão, também, os meus sonhos desbotados...

Por isso, agora, quando a canção da chuva toca lá fora e a minha memória parece um tecido esgarçado, tentando resgatar o tempo, eu vou à procura de um momento que tenha valido à pena, recolho os fios um a um e, com eles, teço as minhas palavras fazendo das minhas recordações uma colcha de retalhos para cobrir-me nas noites de inverno. Neles, nos fios, eu encontro vida através das lembranças que chegam devagarzinho...

Uma casinha no interior, um pequeno jardim e um quintal cheio de rosas... Tu e eu... A cozinha... A rosa...  A epifania de um instante preservado na memória pela a vida inteira. Saudades!