Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

novembro 14, 2013

Sobre Saudades e Reencontro




Depois de tantos anos sem vê-lo, eis que surge, no meu caminho, o velho e querido professor de redação. Provocativo, ele propõe: - fale-me agora sobre as saudades e o reencontro! Mas, nada de reticências, nem de subterfúgios!

Sem pestanejar eu vasculho os arquivos da minha memória e começo a falar.



Das Saudades


- Ontem, ao percorrer as ruas da minha cidade, me vi menina, adolescente. De repente, ao passar pelos mesmos lugares onde a saudade fez morada, senti vontade de ser autora da minha própria história e registrar as emoções, em câmera lenta, para que esse tempo fugidio não levasse embora, outra vez, o rosário de lembranças que a minha memória teima em desfiar quando os meus pés insistem em seguir por caminhos já conhecidos.

Naquele momento, as minhas recordações ensaiaram um passeio nostálgico pelo passado e sons, sabores, cheiros e perfumes contaram a história de um amor que, ainda pulsante, atravessa décadas trazendo cada cena viva no coração como se ontem fosse hoje.

Éramos jovens e inexperientes vivendo o primeiro amor. De mãos dadas passeávamos pela pracinha, aproveitando cada minuto daquele encontro tão fugaz e ao mesmo tempo tão intenso. Ao longe, o som de uma vitrola tocava os primeiros acordes de “Aldilá” e o ar se enchia de uma melodia que, durante muito tempo, embalou os meus sonhos juvenis. Para celebrar a magia daquele instante pedíamos, na mercearia mais próxima, o refrigerante “Grapette”, que acabara de ser lançado no mercado. Um sabor que se perpetua até os dias atuais, como se nada estivesse fora do lugar.

O calendário marcava o mês de janeiro e uma chuva fina despertava o cheiro da terra, que em breve eu iria deixar. Eram as férias de verão acelerando o tempo e promovendo despedidas. Em minhas mãos eu levava as dele impregnadas do perfume “Lancaster”. E, assim, a minha memória ia colecionando saudades até o próximo encontro, deixando a minha imaginação toda assanhada.



Do Reencontro


Caminhava pela beira-mar quando o vi ao longe. Meu coração batia cada vez mais forte à medida que ele se aproximava, como se hoje fosse ontem. Porém, nas folhas dos calendários as estações haviam se sucedido, ano após ano, embora a minha emoção tenha esquecido de registrar.

Andar pausado, cabisbaixo e pensativo não lembrava em nada aquele homem decidido, altivo e orgulhoso que eu conheci tempos atrás e que me deixou por um novo amor. Muitas décadas haviam se passado, mas as palavras não ditas e o silêncio que eu me impus, naquela época, saltaram dos parágrafos da minha tristeza e cobraram-lhe uma explicação: por quê? Por que, uma pergunta que permanece sem resposta até os dias atuais. Uma promessa não cumprida. Uma carta que nunca chegou. Uma história que nunca teve fim!

Bem sei que a vida é feita de despedidas e de amores que vêm e vão. È natural! Mas, não é disso que eu estou falando. O que pergunto é sobre a ausência de palavras, esse silêncio que incomoda porque o outro ainda é espera. E, é espera, porque as palavras, as frases e os parágrafos ficaram cheios de reticências, de vou ali... Já volto! Uma história que nunca foi passada a limpo. Um reencontro que nunca aconteceu.

E, nada dói mais, professor, que a rejeição implícita naquele que se abstém de falar. O silêncio dele é um lápis, uma arma pousada sobre a folha de papel em branco, alterando o meu destino e impedindo-me de ser feliz. É a minha vida suspensa pelos fios de uma trama que não faz mais sentido. É prisão, quando tudo o que eu mais desejo é a liberdade para seguir a minha vida adiante.

Por que não verbalizou a promessa feita e salvou as recordações de um passado que foi tão doce? É a pergunta que não quer calar!

Por isso, querido mestre, ao falar sobre o reencontro, tudo o que eu posso dizer é que restou um gosto amargo na boca e uma sensação de que nada valeu à pena, por que entre salvar as lembranças, o carinho e a amizade de um amor da juventude, ele optou pelo silêncio.

Um lápis continua repousando sobre uma folha de papel em branco, enquanto eu olho, todos os dias, para uma caixa de correio que já nem abre mais.