Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

junho 20, 2014

Eu Quero Ser Feliz!












Têm dias que a vida fica mais urgente... Uma saudade aqui, um poema atrevido ali e a dor sai da casa da palavra, para indicar mudança. É a nossa alma cavando todo o passado a unhas, para que uma nova semente possa germinar... O fluxo da vida se impõe!

De repente, nos damos conta de que já não precisamos de tantas marcas e de tanto sofrimento... Nessas horas, as feridas deixam de doer e os dias cinzas que sempre levavam embora os nossos sonhos, agora passam ao largo. É tempo de celebração! Os anos de porão se esvaem e escrevemos no rol das intenções mais sérias: eu quero ser feliz!


junho 15, 2014

Por isso, Eu Desisti do Amor












Tem dias que eu amordaço as palavras porque elas insistem em chamar teu nome. Nessa hora, eu vejo pelo espelho retrovisor e percebo que ainda tem muito sofrimento na nossa história, por isso eu desisti do amor.

Olho para a tela em branco do computador e penso em quantas vezes já escrevi, que tu eras uma página virada no livro da minha vida, para, logo em seguida, deixar que as letras do alfabeto me traiam e deixem explícito o que teimo tanto em esconder... Se a tela fosse uma folha de papel eu a rasgaria só para não ter de confessar, que as minhas frases se vestem de ternura toda vez que penso em ti e, que, nesse instante, a emoção me domina... É que o tempo atropela as horas e o que era dor vira saudade, pois não há como estornar as boas lembranças.

No entanto, um passeio discreto e silencioso pela galeria da memória traz de volta tudo o que passei e eu, enfim, redijo aqui a razão do fracasso do nosso amor de ontem.

Houve uma época em que eu fui cais... Sempre a tua espera. Cumpria a rotina das horas: vestia-me de chita durante o dia e guardava os melhores lingeries para usá-los à noite. Esmerava-me na escolha de bons vinhos, lia jornais e devorava livros. Queria ter assunto após o banquete do amor.

Durante anos, fui à luta e participei ativamente das manifestações populares do nosso país em busca de dias melhores. Lutei por cada centavo desviado dos cofres públicos e por melhores salários. Fiz boicote contra o preço do tomate e protestei, entre outras coisas, quando a conta de luz aumentou. Tudo isso, porque queria de ti o respeito e a admiração.

Dos velhos tempos dei um salto para a pós-modernidade e atualizei-me a respeito das mais novas tecnologias. Fui, também, a encontros literários, discuti sobre a política vigente, tomei ciência da economia do país e das recentes descobertas sobre os mecanismos da mente humana... Queria poder ajudar-te em teus conflitos existenciais.

Por meses a fio desvelei-me em cuidados e carinhos à beira da tua cama. Alimentei-te com a garra, o sangue e o suor da minha esperança para que tu não desistisses de viver... Reinventei-me! Fui tua mulher, tua amante e tua amiga. Fui teu colo e minha morte, pois me esqueci...

Quando, enfim, eu já havia feito de tudo um pouco para dar provas do meu sentimento, tu foste embora. Aí, eu pensei: - ninguém gosta de eternidade!

Por isso, eu desisti do amor.

junho 12, 2014

O Anúncio


Procura-se uma caneca pequena, branca e com um lindo rabisco de uma menina desenhada no verso, semelhante a esta que ilustra o texto. Quem a encontrar favor devolvê-la no endereço citado...

Este foi o anúncio que eu coloquei no jornal, quando dei por falta da minha caneca. Ela me foi dada de presente no dia do meu aniversário e, todos os dias, me fazia companhia no café da manhã. Ninguém soube explicar como desapareceu. Por isso, eu resolvi tornar público o seu sumiço.

Não, não é uma caneca qualquer! A que eu procuro tem asas estendidas, para me acolher nas noites frias e nos momentos de solidão. E, quase nunca está vazia, embora o líquido oferecido seja tão raro, que me obriga a sorvê-lo em pequenos goles para usufruir, lentamente, do conforto de vê-lo aquecendo-me por dentro.

Às vezes, ela se esvazia para se encher de flores só para alegrar os meus dias e têm dias que se enche de uma água tão pura só para saciar a minha sede. E, quando eu digo que não tenho sede, ela se recolhe, discretamente, deixando-se ficar ao alcance da minha mão... Tem momentos que ela fica assim: quieta, parada, silenciosa, mas sempre a postos. No entanto, agora, ela sumiu de verdade. A caneca que eu procuro perdeu-se em cacos e fugiu de mim. De mim e da minha incapacidade de apreciar a sua beleza.

Por favor, quem souber por onde anda a minha caneca, peça para ela voltar.


junho 08, 2014

Engarrafando o Vento


        



Numa manhã de segunda-feira, do mês de maio, eu caminhava pela beira-mar quando encontrei uma garrafa plástica, entre os sargaços. De imediato, coloquei-a na mão direita e saí engarrafando o vento, embora o meu desejo fosse guardar sonhos para vê-los florescer no futuro.

O marulho das águas, o som do vento engarrafado e a solidão do caminho atraíram o meu olhar para o horizonte e eu quis saber, naquela hora, o que me esperava no além-mar: fios de esperança ou farrapos da minha ilusão?

No silêncio do verbo esperei a resposta e segui, pensativa, rasgando o manto d'água que cobria os meus pés... Ao longe, um barco seguia o seu curso, tão solitário quanto o meu. Então, comecei a costurar as minhas lembranças e escrevi na areia da praia: viver será sempre sentir fome da tua presença. Ainda, pensando sobre isto, lembrei de uma frase que li: - a história não tem freio... Não, não tem! Mas, a minha não terá outra versão. Ela será contada, eternamente, enquanto eu folhear o meu dossiê interno e perceber que a dor do abandono, ainda me assombra e dói como da primeira vez.

Por isso, naquele momento em que eu caminhava pela beira-mar, engarrafando o vento, os meus olhos acordaram sonhos e esperançosos, quiseram saber: - o que me espera no além-mar: fios de esperança ou farrapos da minha ilusão?