Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

fevereiro 07, 2024

Sobre a Saudade

 














Naquele dia, o olhar de Gibinha era distante, melancólico e não condizia com o comportamento serelepe que sempre apresentara. Pela primeira vez, aquela criança lidava com a dor da ausência de uma pessoa querida e definia assim a sua tristeza:

- “Saudade é um sentimento que sofre, dói e a pessoa mora longe... É proibido sentir saudades!”

O que dizer, na ocasião, para atenuar a dor do menino que aos quatro anos de idade já experimentara tal sofrimento? Como falar sobre a saudade, explicando-lhe que nem sempre ela dói ou nos deixa triste? Fui vasculhar as gavetas da memória e encontrei motivos de sobra para conversar com ele sobre este sentimento.

A princípio, para melhor compreensão do pequeno, eu falei que, às vezes, a saudade é só a recordação de um prato de feijão com banana, de um sítio cheio de árvores frutíferas ou de uma rede em dias chuvosos. Para exemplificar, recorri às reminiscências da minha infância. Disse-lhe que Aninha, minha amiga daquela época, tinha um hábito diferente do meu. Ela gostava de comer feijão com banana, no almoço, misturados a outros alimentos. E que há pouco tempo, a lembrança deste fato provocou o início de boas saudades. Mencionei também o nome de Maria Elane, outra amiga da meninice, filha de Dona Ziza e de Seu Otacílio. Contei a Gibinha que eles tinham um belo sítio e que ir visitá-los era igual a dia de festa. Além disso, falei que ainda hoje, recordo-me deste lugar e do caminho enladeirado que percorríamos até chegar ao pomar cheio de frutos, próximo ao riacho. Citei o banho nas águas frias daquele pequeno rio, a beleza da queda-d’água, e a pedra grande, em frente à casa, onde eu costumava sentar-me, ao entardecer, para olhar a natureza em volta.

Por último, eu expressei o hábito de deitar-me na rede, em dias chuvosos, para ler gibis, livrinhos de história e o quanto esta recordação me fazia feliz, apesar de sentir saudades. Concluí a explicação dizendo que as boas recordações são como uma colcha de retalhos que aquece o nosso coração, quando sentimos a ausência de algo ou de alguém querido.

Então, qual não foi a minha surpresa quando acreditando que a criança estava mais calma e serena, e ela saiu-me com esta interrogação:

- E o que você me diz da saudade que dói, vovó?

Naquele instante, sem querer mexer em velhas cicatrizes, tampouco abrir o baú das saudades esquecidas e, para melhor entendimento do pequeno, eu respondi:

“- Gibinha, na vida tudo tem seu propósito, seu significado, pois, quando a saudade ainda não é dor, ela é felicidade, alegria e esperança.” É válido pelo momento!