Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

maio 30, 2009

Quebrando Espelhos








Ela estava ali, novamente, diante dele. Já havia feito as pazes com a menina que fora, mas alguma coisa restara para apaziguar dentro dela. O que seria, perguntou-se, e olhou outra vez para o espelho. Foi então que se deu conta: uma chuva de prata banhara os seus cabelos e ante a exigüidade temporal que lhe rondava os dias, fez a si mesma mais uma pergunta: qual é o tempo do amor, ou seja, até que idade lhe é permitido amar?

O espelho que mostrava a imagem de uma garota feliz que amava os Beatles e os Rolling Stones e cuja vida era feita de sonhos refletia, também, uma mulher cujo ideal de felicidade não arrefecera. Ela continuava igual, os fios prateados e as auroras não dormidas - que lhe marcavam o rosto-, não a impediam de ver e sentir a vida como se a juventude ainda lhe fosse presente. Precisava, pois, reconciliar aquelas duas pessoas que habitavam dentro dela porque sabia, por certo, que uma delas teria que partir. A sociedade que lhe impunha vetos, que determinava o limite dos seus sonhos e da sua capacidade de amar, que lhe ditava regras e lhe colocava mordaças; não haveria de perdoar-lhe a ousadia de manter-se jovem, antenada e feliz, num mundo onde o império do efêmero transformava tudo e todos, em peças de museu, em um curto espaço de tempo.

(...)

Pensando nisso tomou uma resolução: a partir de agora irei celebrar o cotidiano sempre, amar de novo e com maior intensidade ‘como se não houvesse amanhã’, pegar as rédeas da minha felicidade e, com ela, sair por aí, tomando banho de chuva, de rio, de mar, escrevendo em suas areias um poema de amor à vida. Irei possuir o desejo pelo insaciável e com ele vivificar a minha existência até o fim dos meus dias.

E sendo assim, quebrou o espelho e fez em pedaços a sua carteira de identidade. A partir daquele momento, ambas, menina e mulher teriam a idade dos seus sonhos... E saiu, “caminhando contra o vento sem lenço e sem documento.” Feliz!