Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

janeiro 26, 2019

Consciência - Uma Sentinela para a Paz

Bombeiros carregam corpo resgatado em Brumadinho — Foto: Douglas Magno / AFP


















Mal o dia nasceu e lá fora a chuva cai intermitente trazendo 
desconforto a minha alma. Dentro de casa, a televisão ligada põe em desalinho os meus olhos diante das notícias de Brumadinho-MG, sobre a queda da barragem. Muitos mortos, desaparecidos, famílias inteiras perplexas, sem-teto, sem notícias, sem rumo, sem esperança. Tento resgatar a paz de espírito, no entanto, mergulho cada vez mais no avesso dos pensamentos e, estupefata, constato que a imobilidade, a inércia, o egoísmo, a omissão fizeram morada no meu espírito desviando a atenção para uma zona de conforto, há muito desejada: existe um culpado e, este, não sou eu! Pronto, já posso fechar a cortina dos olhos, dormir o sono dos justos. Não! O ruído das horas, os holofotes da memória, a consciência – essa sentinela para a paz - vigilantes, anunciam o resgate da minha alma que, em confissão, reconhece a sua parcela de culpa e pede perdão! Perdão pelas palavras de indignação abortadas em praça pública, pelo silêncio obsequioso quando o clamor das minorias pedia aderência, pela embriaguez do conforto e da sedução do poder. Perdão pela covardia, pela subserviência. Por ter me omitido, quando se fazia necessário subir ao palanque, pegar as armas do pensamento, das ideias, das palavras e discursar sobre cidadania, direitos humanos. Perdão por ter ficado em cima do muro, pelo conforto das contas pagas, do emprego garantido nas coxias do poder, das viagens, do caviar e do espocar do champanhe, quando o reles chão da Pátria Amada é a morada da maioria dos sem-teto, sem destino e sem esperança. Perdão pela omissão e covardia que colocaram os meus irmãos de Brumadinho-MG, no exílio, para uma pátria  de onde não tem volta. 



Crédito de Imagem: Douglas Magno/AFP - G1

janeiro 22, 2019

Um Amor para Poucos







Sou assumidamente romântica e sonhadora. Olho para estas cadeiras vazias e elas me reportam a emoções do passado, quando amar era um olhar sem pressa para outro, um desejo imensurável de que aquele encontro durasse para sempre. Naquela época, ouvir Vinícius de Moraes declamar em seu Poema Soneto de Fidelidade: “que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, era um desafio e uma agressão àquele sentimento urdido na alma, com os fios do encantamento e da esperança. Era um balde de água fria nos sonhos de quem esperava por um porvir risonho, ao lado de um amor que fosse travessia para felicidade. E, a felicidade era sinônimo de morar nos olhos do outro, sem despedidas. 


Hoje, aos sessenta e oito anos de idade, sou a mesma garota romântica e sonhadora, que se debruça sobre uma imagem e, no território livre da imaginação, faz a leitura de momentos felizes e do amor eterno. Os meus olhos, apesar dos anos e dessa “modernidade líquida”, passeiam pelas folhas do calendário e se desconcertam com qualquer tentativa de mudar a narrativa dos meus sonhos. Quem habitou em mim, me fez conhecer tempos de absoluta leveza, cantou o seu amor em versos e em prosas, me apresentou a ele de maneira doce, terna e ao mesmo tempo arrebatadora, vai ficar em meu corpo feito tatuagem, mesmo que, na dança discreta das horas, nem sempre tenhamos vivido a coreografia perfeita das nossas fantasias e, que o relógio das horas já tenha saqueado o nosso futuro. Quem me encantou, vai continuar me encantando sempre. É um amor que não acaba nunca. Porém, alguma coisa mudou com a soma dos meus dias. Agora, olho para estas cadeiras vazias e compreendo que o amor eterno é para poucos, só sobrevive quando rasgamos o véu da ilusão, lembrando-nos de que, na dança festiva dos dias, nem tudo é um mar de rosas... E ainda assim, permanecemos! Mas, entendo da mesma forma, que o sentimento cantado em versos e em prosas, pelo Vinícius de Moraes, em seu “Soneto de Fidelidade”, também é amor, porque amar é um exercício cotidiano de resistência, mesmo quando não dura.


Crédito de Imagem: Giovanna RMD L Avelar