Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

novembro 21, 2009

Afeto à La Carte



Se alguém nos pedisse a definição do amor em uma palavra, no sentido de encontro, aconchego e encanto, nós o convidaríamos a conhecer o lugar onde cores, sabores e cheiros se misturam para produzir o afeto à la carte: a cozinha.

Cozinhar é a forma mais simples e genuína de dizer: eu te amo. É a maneira artesanal de se distribuir carinho por meio dos alimentos. E nada melhor que aproveitar as cores dos artefatos, ingredientes e temperos diversos – que fazem parte desse ambiente - para criar aquela comida especial e homenagear a pessoa que amamos. É o amor entregue com açúcar e com afeto.

A essa altura, quem não lembra da cozinha de sua casa em tempos de festas: carnaval, páscoa, são joão, natal..., com seus ruídos, sons e cheiros reacendendo lembranças? Palco de tantas histórias engraçadas, de reuniões familiares acompanhadas de uma xícara de café e de um saboroso bolo de milho, macaxeira ou fubá. A cozinha reflete o calor, a ternura e a simplicidade de quem sabe receber com arte e carinho. É o afeto à la carte posto à mesa em sistema de gratuidade.

Nesse momento, vamos ao encontro da nossa memória afetiva e revemos cenas do mais puro amor: uma toalha de xadrez, pratos brancos sobre a mesa, um jarro com flores do campo, uma cesta de pães quentinhos, ovos mexidos, queijos, presuntos, bolos, biscoitos, tapiocas, sucos, leite e café; compõem o cenário de uma linda manhã de verão. Mais tarde, uma bela feijoada de frutos do mar, um feijão tropeiro, uma carne assada com macaxeira e manteiga de garrafa, uma boa moqueca de peixe, um baião de dois, virado à paulista, frango com quiabo e tantas opções quanto seja o desejo de agradar e fazer feliz a quem se ama. À noite, dispensando o luar e as estrelas, podemos jantar a luz de velas, sentindo o cheiro do café moído na hora, a velha canja de galinha a fumegar no prato, um cuscuz quentinho servido com queijo de manteiga e rodelas de inhame com sobras da carne assada do almoço. Tudo servido ao ponto: carinho, ternura, tempo e disposição de ver, ouvir e sentir o outro, na intimidade de um espaço, onde o riso solto, a alegria e a descontração, têm a difícil missão de adoçar o sal e o fel de cada dia.

Por tudo isso, sempre que alguém nos pede para falar sobre esse sentimento, lembramos da cozinha, ponto de encontro e encanto, espaço onde o festival de cores brinca de fazer inveja à beleza do arco-íris... Lugar para servirmos o amor com açúcar e com afeto.