Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

dezembro 05, 2023

Uma Conversa sobre os Mistérios da Fé e da Oração

 


















O Pe. Fábio de Melo em seu livro “Por onde for o teu passo, que lá esteja o teu coração,” nos diz: - educar o desejo é derramar elegância sobre a alma.” No entanto, eu nunca consegui educar o meu desejo de saber mais sobre os Mistérios da Fé, da Oração e o porquê de algumas pessoas alcançarem as graças pedidas e, outras, não. Estava sempre insatisfeita, em dívida com as aspirações do meu espírito. Sentia-me menor, preterida, deselegante e, em razão disto, resolvi visitar algumas religiões para ouvir padres, pastores e espíritas. Necessitava de alguém que me ajudasse na interpretação dos textos religiosos. Esperava que esta pessoa me conduzisse a tão sonhada Fé que Cura e ao Poder da Oração que produz Milagres. Desejava com isto ter uma conversa simples e direta com Jesus, da mesma maneira que eu fazia quando era criança. Queria o êxtase!

Acontece que os anos foram passando e a minha alma continuava sedenta de explicações. Nenhum discurso, homilia, tampouco pregação servia para saciar o meu espírito. Ele continuava com sede de propósito... E queria saber mais... Muito mais. 

Onde encontrar a Fé que Cura, a Oração que traz Paz ou a Verdade que Liberta? - Perguntas sem respostas!? Sim! Porém, um sim que só perdurou até o instante em que comecei a escrever este texto. Neste pequeno espaço de tempo, um vislumbre de luz percorreu o lugar sagrado da minha consciência e as gavetas do passado foram abertas. Tudo o que sobreviveu na memória veio à mente pelas vias da reflexão.

Então, lembrei-me de um quadro com a imagem do Sagrado Coração de Jesus colocado acima do piano, na parede da sala de visitas. Nesta época, eu tinha a idade da criança que fez o filme Marcelino Pão e Vinho. Recordo-me de que a película citada marcou tão profundamente a minha infância que eu decidi que dali por diante seria o Marcelino Pão e Vinho, de Jesus e, com este, teria longas e proveitosas conversas. E foi isto que aconteceu durante os primeiros anos da minha existência. Sentava-me sobre a cadeira que estava posicionada em frente a imagem e contava-lhe a respeito do meu dia a dia. Às vezes, tinha a sensação de que um leve sorriso, um olhar amoroso ou um mirar mais severo era a resposta adequada que ela transmitia para as demandas daquele momento. Naquela hora, eu ficava feliz por ter um amigo tão disponível e que, ainda por cima, se importava comigo.

Todavia, os tempos da infância foram passando e a época da adolescência despontou. Com ela dúvidas e descrenças. Mas, nada tão sério, tão determinante a ponto de me levar para longe daquele quadro colocado acima do piano, na parede da sala de visitas. Quando alguma interrogação importante me assaltava ou colocava a fé nas conversas com Jesus, em risco, eu recorria às histórias ouvidas. Com algumas eu me identificava, principalmente, com uma que contava sobre uma mulher, de nome Maria, que ia todo santo dia à igreja e se colocava diante do altar, em silêncio. Ela não sabia ler, nem escrever, tampouco rezar. Sentia vergonha e tristeza pela sua ignorância. Entretanto, isto não a impedia de cumprir o seu ritual com rigor e devoção. Todas as vezes em que se colocava diante do altar, Maria dizia mentalmente: - “Jesus, eu estou aqui!” E esta foi a sua prece até o dia em que não pode mais frequentar a igreja. Nesta história, relata-se ainda que ao chegar às portas da morte, aquela mulher fora visitada por um homem desconhecido que acercando-se do seu leito, disse-lhe: -“Maria, eu estou aqui!”

Pois bem, trocou-se o calendário do tempo e, nesta ocasião, influenciada por leituras, pregações e discursos religiosos feitos à luz da hermenêutica eu comecei a acreditar que a minha fé era infantilizada e de que em nada me servia. Por esta razão, ausentei-me da sala do piano e perdi o contato e a intimidade com Jesus. Neste mesmo período, travei grandes batalhas e passei por muitas e muitas provações.

Em um certo dia, eu estava em sofrimento e comentei com uma prima que gostaria de resgatar aquele quadro que, a esta altura, sabia estar na casa de sua mãe. Ela prometeu não medir esforços para que ele chegasse as minhas mãos. E a partir daquela data comecei a pedir todos os dias: - “Jesus, volta pra mim!

Não sei precisar quanto durou aquela súplica. Acredito que entre um a dois anos. Neste intervalo, durante uma semana comum, eu recebi a visita de um sobrinho que trazia consigo um belo quadro desenhado a lápis para presentear-me. Ao retirar o mimo da embalagem, qual não foi a minha surpresa ao verificar que era o busto de Jesus e, sobre a sua cabeça, a coroa de espinhos. Naquele segundo, lembrei-me da tão sonhada imagem do Sagrado Coração de Jesus que eu ansiosamente aguardara. Um frio percorreu a minha espinha, mas não deixei transparecer o espanto e, em silêncio, disse: - “Jesus, eu aceito a coroa de espinhos, no entanto, dai-me força e fé para suportar o que vier pela frente!”

Passado algum tempo, em meados de 2021, a minha filha mais velha teve um câncer no cérebro, agressivo e em estágio avançado. Dias e meses difíceis, porém, de muita presença de Deus em minha vida. No início de 2022, eu fui a uma loja de artigos religiosos para comprar uma imagem da Beata Nhá Chica. A ela eu tinha rogado que intercedesse junto à Virgem da Conceição pela saúde da minha primogênita. Demorei a escolher, enquanto olhava a profusão de imagens e produtos espalhados naquele espaço. Ia e voltava várias vezes, indecisa. Por fim, escolhi uma e fui ao caixa para efetuar o pagamento. Quando concluí a compra e dirigi-me para a saída, um ímpeto levou-me a olhar para o alto da parede a minha direita. Ali estava um quadro do Sagrado Coração de Jesus. Quanta alegria eu senti! Olhei bem nos olhos dele e, acredite, ouvi a sua voz ressoar em minha mente: - “Leve-me para sua casa!” Não tive dúvidas... Não titubeei. Trouxe! Coloquei-o na parede do meu quarto. A imagem é igual àquela da sala do piano. A diferença está apenas na moldura. A antiga era mais requintada. Porém, o Mestre continua o mesmo: simples, amoroso e acolhedor. Todo dia eu olho para ele e digo: “Jesus, Marcelino Pão e Vinho, está aqui!” E a conversa flui como antigamente!

Ter de volta o quadro do Sagrado Coração de Jesus em minha casa é como receber a visita de um velho e querido amigo que o tempo distanciou. É saber que daqui por diante eu não estarei mais sozinha, pois haverá sempre uma companhia para conversar e para agradecer às bênçãos recebidas.

E é por tudo isso que, hoje, eu não acredito que haja uma fórmula pronta para entrar em comunhão com Jesus. Basta um coração puro... O Poder da Fé que Cura e da Oração que produz Milagres está implícito em suas palavras, segundo Mateus: - “Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos Céus é para aqueles que se lhes assemelham.”

Assim seja! Amém.