Uma mala esquecida na sala carregava sonhos e esperanças. O destino era um pós-doutorado na Austrália. Sobre a mesa, de frente para o mar, a urna de cor azul-celeste guardava as suas cinzas.
Olhando para estes dois cenários, um pensamento me veio à mente: é nela, na bagagem, que se hospedam as saudades que ainda estão por vir. E, nas cinzas, os sonhos e esperanças não realizados. Refletindo sobre eles, várias foram as perguntas para as quais eu não tenho respostas:- Como será que ela alinhavou os seus sonhos, quando descobriu que o tecido da vida estava se esgarçando? Ela sabia da precariedade dos seus dias? Sentiu medo ou fez da canção o “Bêbado e a Equilibrista” o seu hino de guerra, enquanto acreditava na cura?
- Não sei, mas ouso dizer que ela lutou até o último suspiro para que a vida lhe fosse breve... Não reclamou das dores, nem gemeu. Lutou com a mesma tranquilidade de um mar sereno, em fins de tardes silenciosas. Às vezes, ficava em frente à janela do quarto e o seu olhar passeava pelos jardins do edifício onde morava. Um olhar distante... Imperscrutável. Um olhar, um silêncio e uma calma que não condiziam com o medo de quem sentia que estava prestes a realizar o último voo da sua vida. Nas últimas semanas, resistiu da forma como sabia resistir: compreendendo e aceitando que a hora da passagem estava próxima, que precisava exercer o desapego e deixar que as saudades não vividas permanecessem dentro da mala. De nada, ela reclamou.
Portanto, a coragem com a qual travou as suas batalhas internas substituiu o medo e foi tamanha que a mala pronta esquecida num canto da sala, era apenas uma metáfora para o seu desejo de partir.