Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

dezembro 11, 2020

Reflexão em Época de Pandemia

 








O ano de 2020 ficará marcado em nossa memória como um lembrete de Deus – para quem Nele acredita. Um aviso, um conselho, quiçá uma advertência amorosa de um pai atento aos desmandos dos seus filhos.

A azáfama diária com a qual conduzimos as nossas vidas até o advento da Covid-19, não nos permitiu o benefício da reflexão. Tínhamos pressa em viver, em aproveitar a vida... Cada mergulho na superficialidade dos dias era comemorado com um flash. O caráter efêmero das coisas e da nossa existência não nos preocupava. Julgávamo-nos imortais.

Então, apareceu a pandemia e, com ela, a necessidade de refletirmos sobre valores, comportamentos, atitudes e ações que deverão nortear a nossa caminhada daqui para a frente.

A soberba, a empáfia, a vaidade, a ignorância e o egoísmo de alguns são substantivos que, agora, repousam sob a lápide do esquecimento, advertindo-nos de que ninguém é uma ilha e de que juntos somos mais.

Não nos cabe, aqui, investirmo-nos no cargo de juízes da humanidade, nem ditar padrões e normas do que é certo ou errado em relação ao negativismo e ao pouco caso sobre a pandemia.

A cada um é dado o direito a escolhas e às suas consequências. Mas a verdade é que a Covid-19 destronou a nossa arrogância, obrigando-nos a substituir tais substantivos por outros que possam adjetivar a nossa essência: bondade, solidariedade, caridade e empatia. Este último o melhor termômetro para medir o caráter das pessoas.

A empatia nos faz enxergar, compreender e colocarmo-nos no lugar do nosso semelhante. Este outro ser que tem o sagrado direito de viver com a mesma dignidade que almejamos para nós. Quando subtraímos dele, este direito, elevamos o nosso egoísmo ao mais alto grau de incivilidade.

Por esta razão é que vale a pena, em qualquer circunstância, assumirmos o lugar do outro e perguntar:

- E se fosse comigo ou com a minha família, o que eu faria?

Pois é, a dor do mundo tem de ser a minha dor! Somos todos habitantes de um mesmo planeta e sujeitos aos mesmos problemas.

A mesa farta, a opulência, o emprego, o acesso à saúde e à educação não são garantias “ad aeternum”. Tampouco a fome, a miséria, o desemprego e a ignorância. A roda gigante gira. As coisas mudam de mão, de direção e de sentido. Temos exemplos na política e nas grandes fortunas que não nos deixam mentir. Um dia estamos no pódio da vida, noutros deixamos a vida palaciana e beijamos a lona.

O ano 2020 e a Covid-19 são um convite à reflexão. Ou mantemos a nossa vigilância e mudamos as nossas atitudes e escolhas, ou descansaremos muito em breve sob a lápide do esquecimento. A Covid-19 vai passar... As pessoas passarão!

novembro 23, 2020

Ting Liguin Ting– Olha o Cavaco Chinês!

 

 









As lembranças são colchas de retalhos que nos agasalham em tempos de frio, solidão e saudades que irrompem sem aviso prévio. Algumas delas – as saudades - são motivos de celebração. Elas se manifestam pelas frestas da memória quando um olhar, um som, um cheiro ou perfume desperta os nossos sentidos. Desta vez, foi uma imagem! Imagem que evocou um som: ting liguin ting... olha o cavaco chinês!

Esta imagem, e este som agradável que ecoou durante anos em meus ouvidos, chega hoje à Igreja Catedral, em Campina Grande, pelas mãos de Maristela Feitosa. Uma amiga de infância.

Ao abrir a página do Facebook encontro a fotografia do cavaco chinês e a sugestão dela para um possível texto. A princípio, pensei em rechaçar a proposta. Tinha o argumento na ponta da língua: não sei escrever por encomenda!

Então, recordei-me da hóstia que recebi durante a minha primeira comunhão e vi analogia entre ela e o cavaco chinês. Ambos, remetiam-me ao território sagrado da infância.

Na década de 1950, eu recebi o sacramento da Eucaristia. Um encontro que selou a minha intimidade com Deus. Naquele dia, eu alberguei, nos cercados da memória, a recordação mais doce de que eu tenho do Pai.

Aos meus olhos de criança, Ele tornou-se alimento para o meu espírito, em forma de cavaco chinês. Na inocência dos verdes anos eu deduzi que os dois – cavaco chinês e hóstia - tinham a mesma textura e sabor. Um e outro lembravam infância, pureza, fé e alegria.

Hoje, eu constato que eles também têm sabor de saudades! Saudades que evocam a presença do Invisível, em uma oração sem as palavras costumeiras...

A meu ver, no ato de receber a hóstia – com a textura que lembrava aquela guloseima - Deus humanizou-se para hospedar-me. Ele se ofereceu em amor, refúgio, fortaleza e agasalho para os tempos frios e solitários que estavam por vir.

Pois bem, neste momento, a saudade veio para redimir-me! Ao cobrir a nudez dos meus pensamentos com a colcha de retalhos feita de lembranças, lembrei-me de que os sinos dobraram por mim, naquele dia, da minha primeira comunhão, na Igreja Catedral, em Campina Grande.

Era o Pai, o Filho e o Espírito Santo perdoando os meus pecados e dando-me boas-vindas!

Gratidão, por lembrar-me Maristela! Cavaco chinês é “sinônimo” de perdão e celebração.

novembro 11, 2020

A Dor do Outro Quanto Custa ao seu Bolso?

 















As eleições estão se aproximando. A propaganda eleitoral gratuita começou nas rádios e TVs do nosso País. Em época de pandemia não pode haver comícios, nem abraços, tapinha nas costas, tampouco colocar crianças nos braços como faz a maioria dos candidatos.

Tempos atrás, seguíamos em carreata por um que nos representasse. Sonhávamos com o candidato que rasgasse a fantasia do seu antecessor e, em nosso devaneio, acreditávamos em suas promessas de campanha. Hoje, urge fazer uma pergunta:

- Quantos candidatos podem tirar o véu da hipocrisia? Quantos deles podem empunhar a Bandeira e cantar o Hino Nacional sem que o rubor da vergonha tolde as suas faces?

Antes que os apressados de plantão me julguem, quero lhes dizer que pouco entendo de política e que, durante décadas, entreguei o meu voto a quem me pareceu coerente em relação ao discurso e a sua vida pública.

Todavia, devo admitir que em tempos de eleições é nefasto ficar calado, quando abundam propagandas e promessas de campanha irrealizáveis.

Recorro então às gavetas da minha memória e retiro uma frase já gasta pelos anos: “para mudar o mundo terá que primeiro modificar a si mesmo”. Isto me leva à história do passarinho que ao ver a floresta pegando fogo foi à busca de água para apagar o incêndio. Logo, os apressados de plantão disseram que era loucura e riram da sua atitude. Porém, o pássaro respondeu:

- Estou apenas fazendo a minha parte!

Pois bem, neste momento, mesmo sem entender a ciência da política, eu me visto de penas e lhes dou um conselho: não vote em candidato que vai legislar em causa própria... Vivemos em uma aldeia global. Investigue, informe-se!

Exercite a razão! Ela o conduzirá à liberdade de pensamento e ninguém o fará massa de manobra para fins eleitoreiros. Como você, eu também estou exercitando a minha. E tenho me surpreendido cada vez mais com os resultados.

A essa altura do campeonato não tenho político de estimação e, confesso, desconfio dos moralistas... Estes são os piores. Em nome da Pátria e da Família cometem atrocidades.

Meu voto é pela coerência entre o discurso e a prática. Pois a maturidade me mostrou que o véu da hipocrisia norteia a vida de muitos dos atuais candidatos.

A partir deste pleito eleitoral eu vou perguntar aos vereadores e prefeitos, de agora, e, também, aos futuros deputados, governadores, senadores e presidentes da república:

- A dor do outro quanto custa ao seu bolso? Até quanto vale barganhar a miséria humana para ser eleito?

A depender da lisura e do engajamento político e social destes futuros representantes do povo, eles poderão ganhar o meu voto e a minha admiração. Não estou a busca de candidato perfeito. Todos são, demasiadamente, humanos! Mas, espero por alguém que não deite em berço esplêndido, enquanto as caravanas de mortos, de famintos e desempregados passam. Até lá, desejo que a lâmina do meu verbo esteja afiada pela consciência e pela razão! Estou de olho neles!


setembro 24, 2020

Porta - Retratos

 
















O porta-retratos foi concebido para guardar a recordação de alguém na pausa de uma fotografia, mas dele eu não preciso quando o assunto é o meu irmão Dagoberto. Ele foi durante muito tempo o meu espelho e lugar de afeto no mundo. Dele, eu tenho memórias indeléveis: a sua força moral, a sua franqueza e o seu caráter incorruptível.

Meu irmão dispensava qualquer benefício que não fosse proveniente da honra e da lealdade. A ele não interessava as artimanhas do poder, do dinheiro e da corrupção. O seu caráter foi forjado na luta pela sobrevivência e desconhecia qualquer privilégio, pois no banquete da vida lhe foi reservado o último lugar à mesa. E isto, foi decisivo na formação do seu caráter.

Cresci observando aquele homem sério, de poucas conversas e poucos amigos, mas de gestos grandiosos. Nasceu em uma família abastada, porém não teve grandes regalias: não concluiu os estudos, não teve ternos de corte inglês, não tirou carta de motorista, nem teve os aplausos pelo reconhecimento do seu trabalho, como os outros filhos. Era o filho que não quis estudar! Naquela época, o orgulho das famílias se voltava para os filhos que saiam de casa e traziam na bagagem o título de doutor. Estes, sim, eram incensados!

Logo cedo, ele percebeu que deveria procurar um rumo para sua vida. Ganhou o mundo atrás de um trabalho que lhe desse dignidade e respeito. Enveredou pelo caminho do comércio. Trabalhou durante anos como balconista de uma grande loja de tecidos. Neste lugar, o seu caráter foi posto à prova de fogo.

O proprietário da loja precisou se ausentar por um longo tempo e, já tendo observado a retidão de caráter do seu funcionário, chamou-o a um canto para conversar e disse-lhe:

- Dagoberto, eu vou fazer uma viagem e necessito de alguém de minha confiança para tocar os negócios. Escolhi você... A partir de hoje, eu vou colocar a loja em seu nome e darei carta branca para você gerir tudo o que diz respeito ao bom andamento da firma. E, assim foi feito!

Nos meses subsequentes, meu irmão trabalhou com afinco e dedicação como se a loja fosse sua, sem nunca reclamar do excesso da lida, nem da responsabilidade que lhe fora confiada.

Anos depois, por motivos familiares, saiu deste emprego e foi morar em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte. Carregava na alma uma dor profunda. Pela primeira vez na vida eu o vi chorar e se vergar diante da dor e do sofrimento de não poder levar os filhos consigo. Nunca mais seria o mesmo...

Neste momento, lembro-me dos nossos bate-papos na varanda da casa do Brisamar e das confidências que trocamos ao som da canção “Nada Além”, cantada na voz de Nelson Gonçalves. Lembro-me também, de como gostava de vê-lo comer. Ele tinha um jeito peculiar de degustar a comida. Os sabores passeavam lentamente pela sua boca. Tanto fazia um simples feijão com arroz, quanto a melhor iguaria. Comer era um ato sagrado. Um ritual sem a pressa do cotidiano.

Ah, meu irmão, quantas saudades você deixou!

Na última vez em que conversamos você contou-me com um orgulho incontido:

- Nos últimos meses de vida de nosso pai, tivemos uma longa e necessária conversa. Perguntei-lhe por que ele fora tão duro comigo, durante toda a vida. E, sabe o que ele falou?

- Eu respondi: não!

Naquele instante, você olhou-me com um olhar profundo e disse:

- Agi assim porque você é o filho que mais se parece comigo.

Então, naquele dia, nenhuma palavra mais foi necessária. Você, Dagoberto, estava apaziguado com os seus fantasmas. E, eu, feliz por você!


setembro 06, 2020

Livraria Pedrosa – Faça do Livro seu Melhor Amigo



 

 


 

Se eu fechar os olhos, por um instante, e deixar-me embalar pelos sentidos da visão, audição e olfato não preciso de nenhum meio de locomoção para ir à Livraria Pedrosa, localizada na Rua Maciel Pinheiro, no centro da cidade de Campina Grande-PB.

Uma sucessão de imagens, sons e cheiros chega-me pelos sentidos. Viajo através das lembranças e atravesso caminhos de afeto e de saudades para demonstrar a minha gratidão. Nesse momento, ela é direcionada a figura de José Cavalcanti Pedrosa. O livreiro que marcou época na cidade de Campina Grande fazendo do seu comércio um templo do saber.

Lá pelos anos de 1950, vivíamos dias tranquilos. Podíamos andar a pé pelas ruas e bater papo com os amigos, sem nenhum receio de sermos abordados por algum delinquente. Criança, eu ia ao colégio sozinha. Lembro-me de fazer, diariamente, todo o percurso do Colégio Alfredo Dantas até a loja de livros e, só depois, retornar a casa. Gostava de manusear os livros, de embriagar-me com o seu cheiro.

Ao entardecer, quando a sineta do colégio anunciava o encerramento das aulas, eu mal continha o impulso de sair correndo em direção àquele lugar cujo slogan era: “ Faça do livro seu melhor amigo”.

Pedrosa, como era chamado pelos mais íntimos, era uma figura austera. Poucas vezes eu o vi sorrir. Entretanto, por trás daquele semblante sério e de uma postura rígida escondia-se um coração amoroso. De pronto, ele percebeu a minha fome de palavras e a sede de conhecimento, apesar de toda a timidez da qual eu era portadora.

Então, quando eu cheguei à livraria, em um desses entardeceres em que a vida parece nos saldar com um sorriso, Seu Pedrosa presenteou-me com um livro dos Irmãos Grimm. Em seguida, fez-me o convite para frequentar à casa de sua família e ter acesso aos livros de sua estante particular. Este foi um momento histórico em minha vida. Uma alegria incontida tomou conta de mim. Numa fração de segundos me vi descobrindo uma fonte de água em pleno deserto. E, senti-me importante e querida por aquele livreiro a quem poucos tinham acesso a sua intimidade.

Para José Cavalcanti Pedrosa eu era a menina que devorava livros. Que os cheirava como quem cheira uma fruta madura pronta para ser consumida.

A partir daquele dia, Pedrosa substituiu o olhar circunspeto e passou a acolher-me de maneira filial, amorosa e terna. Muitas vezes, quando me via, um leve sorriso se desenhava em seus lábios. Era a sua maneira de dizer: seja bem-vinda! Sacie a sua sede de conhecimento.

Por tudo isso, hoje, as minhas letras e o meu brincar com as palavras se vestem de respeito e de ternura para reverenciar a sua memória. Ave, Pedrosa! A sua vida, salvou a minha... Gratidão! 
 

setembro 01, 2020

Álbum de Fotografias


2.Livro, não raro carcelado, de folhas de cartolina, de papel forte, ou de material sintético, próprio para colagem de figurinhas, recortes, etc., ou para guardar fotografias, coleção de selos, discos, gravuras, etc.

No Novo Dicionário Aurélio, versão eletrônica, a definição da palavra “álbum” não está de acordo com a lembrança que eu tenho deste livro.
Para mim, um álbum não guarda só as fotografias, ele guarda também a memória dos meus afetos!
São retalhos de lembranças que contam histórias. São histórias eternizadas na pausa de uma fotografia.

Pois bem, hoje, eu resolvi abrir o meu álbum de memórias. 
E, como bem disse a escritora Eliane Brum: - “ quero ser desabitada, por um momento, para ser habitada pela linguagem que é o outro”.
Nesse instante, pela ordem das imagens, o outro é ela: Mãe Julia.

A mulher que falava com os passarinhos e com as flores que plantava em seu jardim. 
A professora que ensinava mais pelo exemplo do que pelas palavras.

Lembro-me do seu amor pelas aves.
Certa vez, lá pelos idos de 1950, ela comprou um viveiro para abrigar os vários tipos de passarinhos que dela se aproximavam: concriz; canários belgas; pintassilgos; beija-flores e um papagaio.
Era tanta ternura, cuidado e delicadeza no trato com as aves, que por meio destas eu aprendi o verdadeiro sentido do amor e da liberdade.

Pela manhã, bem cedinho, muitos antes do seu desjejum, Mãe Julia já iniciava o bate-papo com os pássaros.
Era a hora de limpar o viveiro, trocar a água e colocar alpiste para os seus filhotes.
O velho concriz era o mais conversador. Bastava ela se aproximar e ele começava a cantoria. 
Os dois tinham uma linguagem própria, uma troca de afetos.
 
Um belo dia, ela começou a se perguntar se era justo manter os pássaros em cativeiro. 
Uma enorme tristeza toldou-lhe o semblante e a partir daí resolveu dar-lhes a liberdade.
Cumpriu o rito matinal e logo em seguida abriu a porta do viveiro para que eles ganhassem a alforria.
Os canários e os pintassilgos se olhavam e se moviam inquietos, mas ninguém ousava sair.
O velho concriz foi o primeiro a ganhar o céu da liberdade. Voou longe por horas a fio.

Porém, ao meio dia e meia, quando toda a família estava sentada à mesa para o almoço, ele adentrou a sala e pousou sobre o ombro de Mãe Julia.
A simbologia do ato nos deixou emocionados. O amor foi mais forte do que a independência que o céu lhe proporcionara.

Minha Mãe era uma Lady, mas não era movida pela afetação. Em qualquer circunstância só se referia ao outro de maneira educada e respeitosa.
Quando solicitava os serviços da secretária do lar, as palavras mágicas: por favor, obrigada e desculpe-me vinham à frente. Discreta e comedida nos gestos não gostava de fofocas nem de intromissões na vida alheia, tampouco de promover discórdias. 
Morou mais de um ano na casa de um dos filhos e sempre que necessitava pegar algo na geladeira, dirigia-se à nora e pedia permissão.

Foi dela que herdei o nome e a consciência ativa de que devo fazer ao outro aquilo que desejo que façam a mim.
Que a minha liberdade termina onde a do outro começa.
Que palavrões não são palavras benditas. 
Que a boa educação abre portas e o conhecimento liberta.

Mãe Julia gostava de cantar A Marselhesa – o Hino Nacional da França. E, de acompanhar Orlando Silva, na canção Rosa.

Acreditava em destino. 
Contava sempre a história de quando era mocinha e recusara a corte dos pretendentes viúvos ou que usavam fardas.
Para seu castigo, segundo ela, casou-se com um viúvo que tinha quatro crianças (ela foi a terceira esposa) e teve um filho militar.
Sorria quando falava sobre isso. E amou os filhos do viúvo: Crueza; Tota; Deusa e Maria como se tivessem saído de suas entranhas.
Gostava de contar da alegria e felicidade de sua filha Creuza quando ela, Mãe Julia, entrou na igreja para casar-se com o seu pai.
E, de como Deusa, sua outra filha, a amava.
Pois, em seu leito de morte pediu-lhe que nunca, em vida, dissesse a ninguém que ela não era sua filha.

Mãe Julia foi feliz, mesmo tendo abdicado do seu sonho de continuar professora, pois os fatos se inverteram. 
Francisco Maria, o viúvo, exigiu que ela deixasse o emprego na escola onde lecionava.
A justificativa para tal propósito era de que ele não queria ser chamado de “o marido da professora”.

Pois então, minha Mãe, esta e outras tantas histórias compõem um pouco da sua biografia. São retalhos de lembranças que a poeira do tempo não conseguiu esgarçar. No meu álbum de fotografias eu eternizo você, para que os seus filhos; netos; bisnetos e trinetos honrem a sua memória.

agosto 05, 2020

A Hora do Adeus


















Em abril de 2011, eu escrevi “Tempo de Despedidas”.
Um texto para eternizar as memórias da Casa do Brisamar. Comprei um apartamento na praia, enquanto decidia a venda do imóvel.
O curso da vida exigia-me coragem e determinação para fazer a mudança, mas o passado era um foco de resistência a ser vencido.
Então, eu fui adiando a hora de dizer adeus. Sou taurina! Não sei partir.

Trocar de domicílio não é tão fácil como parece.
As paredes, os móveis e os utensílios domésticos carregam histórias e significados. 
Somos construídos por meio da liturgia afetiva do lar.
A casa é a nossa pátria de intimidades. A nossa primeira fome de infinito. A certeza de que sempre teremos para onde voltar.

Como não lembrar dos tempos de dificuldades que passamos, para que o sonho da casa própria se concretizasse? 
Cada tijolo comprado e cada parede levantada implicava uma renúncia, um abrir mão do carro; do telefone; da jóia de família; viagens, entre outras coisas.

Como não lembrar do dia em que as obras terminaram e tomamos posse da nossa residência. 
Daí por diante, tudo era motivo de comemoração: os novos móveis, a geladeira; o fogão; a máquina de lavar; a televisão; o liquidificador; a batedeira e o ferro de passar. 
Todos devidamente aplaudidos com o entusiasmo de quem está iniciando uma nova vida.

A Casa do Brisamar era um lugar musical!
Todos que a visitavam diziam que ela tinha uma boa energia. Quando os primeiros raios de sol invadiam o seu jardim, podia-se ouvir o som de um violão, de um bandolim ou de um piano.
Ouvia-se de tudo: Vinicius de Moraes; Tom Jobim; João Bosco; Emilio Santiago; Ivan Lins; Nelson Gonçalves; Jacob do Bandolim; Nara Leão; Nana Caymmi; Elis Regina; Gal Costa; Maria Betânia; Leila Pinheiro, entre tantos.

Como esquecer a imagem da família reunida em torno da mesa, jogando conversa fora, nas tardes de domingo?
E das reuniões festivas onde os amigos comiam e bebiam à farta? 
Como esquecer dos rituais para festejar o carnaval, o São João e o Natal?

Como esquecer da rede, na varanda, em noites de lua cheia e de você, Gilberto, a desenhar ternuras pelo meu corpo, enquanto o riso solto, na madrugada, escrevia um poema de amor para nós dois?

Chegou o tempo de despedidas... Eu sei! 
Estamos em agosto de 2020.
Não dá mais para cultivar as lembranças e regá-las com o sal das minhas lágrimas.
No entanto, apesar dos anos passados, tudo ainda é saudade: o riso das crianças, a mesa posta, a música... E, a sua ausência, Gilberto, que nunca passa!

Por isso, resolvi sair de uma vez por todas.
Chegou a hora do adeus. Da Casa do Brisamar eu levo apenas as minhas roupas e livros.
Perto do mar que eu tanto amo construirei outras lembranças.
Antes de partir, entregarei as chaves da casa para o nosso filho. Daqui por diante, ele e a sua nova família serão os guardiões das memórias desse lugar, pois toda Casa tem uma história com as suas cores, seus cheiros, sons, passos e lembranças. Adeus!

 

julho 23, 2020

Lavanda - O Perfume dos Meus Afetos















Lá fora, tudo é silêncio! De repente, um vento cortante invade a janela do meu quarto. Ouço o barulho das ondas. O mar que ela tanto amava açoitado pelos ventos, geme de saudades. O cheiro do sargaço acorda a memória olfativa. Um nome avulta na galeria dos meus pensamentos e as minhas letras se vestem de ternura. Lembro-me de Laíce!

No altar dos meus sentimentos eu apaguei a vela que mantinha acesa em sua memória. Quis atropelar às horas e ao tempo de luto para não sofrer com a sua ausência. Ledo engano!

Ainda assim, a sua lembrança se faz presente no marulho das vagas e no som de um piano, ao longe. Lembro-me da minha tia/irmã quando escuto a canção “João Valentão” de Dorival Caymmi e quando vejo florir o abacateiro.

Lembro-me, mais e mais, quando a memória olfativa traz de volta o perfume “English Lavender” da Atkinsons. A sua e a minha fragrância preferida.

Neste vidro, contêm a história dos meus afetos. Uso esta lavanda há cinquenta anos. Ela reporta-me ao tempo em que eu visitava Laíce, que morava em um pensionato, localizado à Rua General Osório, no centro da cidade de João Pessoa. Foi minha tia/irmã quem me apresentou o perfume.

Naquela época, eu tinha entre quinze e dezesseis anos e morava em Campina Grande. Laíce havia passado em um concurso e mudara-se para a capital do estado da Paraíba, fazia anos. Quando ela partiu eu desejei que o cheiro da lavanda que a acompanhava, fosse igual às migalhas de pão, da história de João e Maria. E que no rasto desse aroma eu encontrasse a possibilidade de um novo encontro e a certeza do seu afeto.

Lalinha, como eu a chamava, foi uma das pessoas mais importantes da minha vida. Foi tia, irmã, segunda mãe, amiga e confidente. Um cofre de segredos guardados.

Diante desse fato, não é de se estranhar que eu tenha dedicado tanto tempo a esquadrinhar cada recanto das lojas que visitava à procura da “English Lavender” da Atkinsons. As franquias do Brasil deixaram de vender o produto. Todavia, eu continuei com a minha busca.

Em 2019, eu fui visitar a minha filha em Madrid. Certo dia, quando saímos a passeio pelas ruas da cidade, nos deparamos com a vitrine da loja Primor. Atraídas pela variedade dos seus perfumes nós entramos e lá eu encontrei a minha fragrância preferida. Imagine a minha alegria! Comprei 620 ml de lembranças e de saudades.

Por isso, nesse momento, onde tudo é silêncio e o cheiro do sargaço acorda a minha memória olfativa, eu ainda coloco um pouco da lavanda sobre os meus pulsos, para manter acesa a tocha do amor e do meu carinho por você, Laíce.

O perfume transporta-me para um lugar onde o meu corpo não pode ir. Não importa! Ele põe em fuga a dor e a tristeza pela sua ausência. Nas minhas lembranças... Você é vida!







julho 16, 2020

Os Quintais da Minha Infância


 









As folhas da memória farfalham, numa dança festiva, obrigando-me a abrir o baú das minhas saudades esquecidas. Lembranças e sentimentos guardados pedem alforria e deixam para trás o rascunho dos pensamentos. Hoje, eu vou falar sobre os quintais da minha infância.

Um olhar de espanto me sobrevém, nesse momento, quando constato que passaram-se muitos anos, todavia as recordações ainda têm o frescor dos tempos idos. O verde, esperança que abrigou-se sob o teto das minhas memórias, exala agora o perfume das goiabeiras.

Os quintais de dona Judite, de dona Nenê e de dona Ziza eram o meu lugar no mundo. Três recantos mágicos onde eram saciadas a fome de alegria e de felicidade. Elas tinham um zelo incomum pelos seus pomares e a vigília era constante. O que me deixava triste! Porque, na maioria das vezes, eu só podia usufruir desse ambiente por meio do olhar e da contemplação.

Imagine o meu suplício! Entrar no reino encantado da “fantasia comestível” e não poder exercer o livre arbítrio da gula. As minhas mãos comichavam de vontade de tocar, de sentir a textura daquela fruta tão bela e apetitosa. E a boca tinha um desejo premente de provar o fruto proibido.

Às vezes, eu encontrava algumas goiabas envolta em um pano e ouvia a explicação de que isso as protegia dos insetos. Pense numa frustração! E, também, na vergonha! Além de não poder tocá-las, algo me impedia de acariciá-las com o olhar naquele momento. Este fato só aumentava a minha culpa, pois na inocência da idade intuía que o inseto era eu. Que a ânsia que tinha pela fruta estava escrita nos meus olhos. Por isso, a vigília das proprietárias dos sítios e a vergonha de ver as minhas reais intenções descobertas.

Foram anos de observação e sofrimento. Nas raras ocasiões em que me foi permitido saborear aquela fruta, não saciei nem a fome, nem o desejo. Queria um pé de goiaba para chamar de meu...

Revendo agora essas lembranças eu chego à conclusão de que além do gosto pelo fruto da goiabeira, o que mais me encantava era a cor verde das suas folhas e frutos banhados pelas gotas de orvalho da madrugada. Um espetáculo que trazia brilho aos meus olhos e me remetia à esperança, à alegria e à felicidade.

julho 01, 2020

Uma Carta para Meu Neto













Querido Gibinha

Vovó sempre gostou de escrever e receber cartas. 
Quando era jovem contava as horas e gastava os dias imaginando o momento em que o carteiro entregaria a tão desejada missiva. 
Vivia uma saudade antecipada de palavras que iria pôr fim ao sofrimento da espera.
Porém, hoje, o motivo desta carta é outro.

Nas asas do amanhã incerto repousam desejos, atitudes, canções de ninar e histórias que eu ainda gostaria de contar para você. 
Não sei se terei tempo! Então, escrevo. Antecipo a saudade e o sofrimento da sua espera, falando sobre o meu amor.

Um neto é um mundo com tempo marcado! Daí a urgência. 

Quando você nasceu eu tinha sessenta e nove anos, mas não contava os dias pelo calendário gregoriano. 
Quando perguntavam a minha idade, a resposta era imediata: não tenho idade, tenho sonhos! E agora Gibinha, que cheguei aos setenta, percebo que tenho mais idade do que sonhos.

- O que mudou em tão poucos meses, você deve estar se perguntando? Eu respondo:

- A percepção do tempo como fator de dias transcorridos. Uma realidade que eu não posso mais ignorar.

Não dá para enganar a ampulheta do tempo.
A areia fina passa indiferente à minha vontade e à quantidade dos meus sonhos.
Em vista disso, o meu coração desveste-se de imortalidade e capitula. 
A verdade é que a Covid-19 já roubou três meses e duas semanas de nossa convivência. 

Não posso mais lhe dar banho, nem a sua sopinha. O carrinho que comprei para passear com você, quedou-se esquecido, diante da proibição: - fique em casa! Os fins de semana que passávamos juntos fazendo piscina à beira-mar, não são mais permitidos.

O que dizer das canções de ninar e do balanço na rede? E dos nossos vídeos de Borboletinha? E das nossas brincadeiras com o cavalinho Pocotó? 
Tudo isso, agora, faz parte do nosso passado. O presente é feito de incertezas e o futuro tem data de validade.

Tenho setenta anos! Com muita sorte ainda poderei acompanhá-lo em seus primeiros dias de aula na escola e na natação.
Poderei também ensinar-lhe as primeiras letras do alfabeto e ajudá-lo a desenvolver o gosto pela leitura... 
Com fé em Deus e alguns cuidados teremos mais uns anos juntos pela frente. 
Todavia, não estarei aqui nos tempos difíceis da sua adolescência, nem poderei ajudá-lo com as suas dúvidas, tampouco nas escolhas inevitáveis que terá de fazer, na juventude: 

- Qual profissão escolher? Faço esse ou aquele curso? Como me manter sereno perante às tentações? Qual o melhor caminho a seguir? Como conviver com a emoção do primeiro amor e a insegurança da primeira vez? Como lidar com a dor e a saudade?

Pois é, Gibinha! Um neto é um mundo com tempo marcado. Não posso mudar isto.
É certo que não poderei acompanhar todos os seus passos, nem responder às suas inquietações.
Entretanto, o tempo, adverte-me: - a vida é aqui e agora! Por isso, esta carta.
Não quero que você gaste os seus dias esperando por palavras, atitudes e conselhos que, por força das circunstâncias, não virão.

Então, aproveito o momento e deixo registrado, nesta carta, todo o meu amor e a impossibilidade de vivê-lo plenamente...

Amar você, Gibinha, foi a melhor coisa que me aconteceu.

junho 25, 2020

Preconceito - Qual a Cor da sua Alma?





Qual a Cor da sua Alma?


Esta é a pergunta que eu sempre faço, quando o assunto é  Preconceito. Todavia, foram necessários anos de observação sobre o comportamento humano, para que eu mesma pudesse responder a esta indagação. E um dos motivos eu relato agora.

No dia 15 de junho deste ano, Patrick Hutchinson, um homem negro, participava de uma manifestação antirracista, em Londres, quando percebeu que um homem branco estava sendo esmagado e espancado. Logo, Patrick com a ajuda dos seus amigos negros, colocou o homem sobre os seus ombros e levou-o para um lugar seguro. Ao ser questionado sobre o porquê do seu comportamento, ele afirmou:

- “ Eu não pensava em nada, apenas que tinha um ser humano no chão”. E, acrescentou: - “ Não conseguia pensar em nada, naquele momento, a não ser salvá-lo”. “Estou salvando o homem que estava a ponto de ser esmagado e espancado. Também estou salvando esses jovens de serem condenados à prisão perpétua”.

Diante desta resposta, eu faço outra pergunta:

- Quantos de nós, “ brancos e bem-nascidos", teríamos nos comportado como Patrick Hutchinson?

Afinal, naquele momento, não havia evidência de que o homem branco estivesse lutando a favor dos negros. Pelo contrário! Segundo a reportagem do site: terra.com.br, algumas pessoas chegaram a afirmar que o homem que Patrick Hutchison carregava sobre os ombros, era membro da extrema direita. Ou seja, um inimigo em potencial naquela manifestação.

Depois do que foi exposto aqui, e tomando como base anos de observação sobre o comportamento humano, eu não teria outra resposta para a pergunta sobre a cor da minha alma, senão esta:

- Homens não têm pele. Eles se vestem pelas almas. 


Existem almas que tocam o nosso coração, por sua grandeza e sensibilidade; há outras que provocam a repulsa do nosso olhar perante à pequenez das suas atitudes e do seu caráter. 

E, você! Qual a cor da sua alma?

PS: O autor da foto é Dylan Martinez, da Reuters.

junho 17, 2020

Uma Carta para Deus - Um Pedido de Absolvição















Querido Deus,


Chove lá fora e aqui dentro também. Tenho uma consciência torturada e um coração que sangra em lágrimas pelos meus erros. Rezo para acalmar-me, mas as contas do Rosário já não são suficientes para redimir-me. Então, para expiar a minha culpa, coloco a multidão dos meus pecados diante de ti, e te peço a absolvição.

Senhor, eu pecador, confesso: quando nasci me foram apresentadas páginas em branco, para que nelas eu escrevesse a história da minha vida. Não fui capaz! Maculei a brancura das pautas e incorri em desonra quando professei o meu credo. Não, não fui cristã! Não honrei a morte do teu filho! Ele, sim, cobriu os meus pecados com o sacrifício da cruz e, em troca, pediu-me apenas o amor e compaixão pelos meus semelhantes. No entanto, eu falhei, tropecei e caí naquele que considero o mais importante de todos os mandamentos: fazer ao outro aquilo que deseja para si mesmo. Não, eu não fiz! Nem sequer tentei com afinco. Ao primeiro sinal de invasão de privacidade, no terreno dos meus quereres: de poder; de honra, de glória; de ambição por riquezas e bens materiais, eu desisti. Renunciei à ideia de ser boa, de amar, ser compassiva e misericordiosa quando percebi, também, que os holofotes da fama não estariam mais sobre mim. E, em nome disso, cometi erros atrozes quando pratiquei o lado avesso da bondade, da compreensão, do perdão e da humanidade da qual eu estava imbuída. Fui inimiga feroz daqueles que não comungaram do mesmo ideal que eu e de quem se recusou a rezar por minha cartilha. Fechei a cortina dos meus olhos para quem era diferente de mim em cor, raça, credo e etnia. Investi-me no cargo de juíza e a partir daí, fui a mais cruel das inquisidoras. Dedo em riste, julguei e condenei a quem ousou discordar de mim, classificando-os de inimigos da Pátria. Exilei-os para não ouvir o clamor das suas vozes. Foram tantos: judeus; negros; LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais); portadores de necessidades especiais; quem estava acima do peso e tantos outros, excluídos porque professaram uma ideologia diferente da minha.

Por isso, agora, nesse intervalo de tempo e de isolamento social, em que eu sou obrigada a reconhecer o bulício da vaidade; da cobiça; da ganância; da sede de poder a qualquer preço e de tantas outras mazelas e injustiças que pratiquei ao longo da minha vida, eu venho, por meio desta carta, pedir à absolvição dos meus pecados, invocando o nome e a súplica do teu filho, Jesus:

- “Pai, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem”.

Ainda que eu esteja arrependida, com a consciência torturada e um coração que sangra em lágrimas pelos meus erros, eu faço uma ressalva:

- Sim, nós sabemos Jesus! Nunca somos inocentes!

Ainda assim, eu te peço perdão. Meu Deus, pela multidão dos meus erros! Perdoa-me, setenta vezes sete! Quem sabe, um pouco mais!?

junho 02, 2020

A Sala do Piano


















Uma fatia do tempo traz-me de volta ao passado. Um mundo em silêncio dá lugar ao som de um instrumento musical que acorda as minhas lembranças. Uma saudade habita-me! Ela é a Rua Vila Nova da Rainha 389. Mais que um endereço, uma história da qual tornei-me guardiã.

Quando eu ouvi, pela primeira vez, Isabella Perazzo tocar a música “Tristesse” do compositor Frédéric Chopin, senti-me aquecida. Naquele dia, as teclas do piano despertaram memórias de um tempo sem luto, nem pandemia. Os primeiros acordes anunciaram que a saudade daria plantão. Então, percorri com delicadeza, em passos de feltro, todo o chão da minha casa, explorando cada lugar dessa pátria de intimidades. Lá, encontrei a sala do piano. Um recanto para o deleite, para ouvir Chopin, Mozart, Beethoven, Schubert, Debussy, entre outros. Eu era criança, naquela época, com a idade entre sete e oito anos. À noite, logo após o jantar, dirigia-me à sala do piano e ficava horas a fio ouvindo, embevecida, a minha tia Laíce dedilhar as suas canções preferidas. Às vezes, a música era tão triste e melancólica que o meu corpo doía de falta, de ausência. A inocência da infância não sabia atribuir um nome àquele sofrimento. Ainda assim, a sala do piano era o meu lugar preferido da casa. Gostava de percorrer as teclas daquele instrumento musical e delas tirar algum som. Mas, ao contrário de todas as minhas tias e de minha mãe, eu não nasci com o dom para a música. Na idade adulta até tentei, porém fui incapaz de ler uma partitura sequer. Quando os primeiros acordes eram tocados e a canção invadia a sala, chovia em meus olhos e a pele arrepiava. Nunca consegui dominar esta emoção! Talvez, pelo fato de meu pai, em um momento de crise financeira, ter se desfeito do piano e com este ter ido embora tanto o meu sonho de torna-me pianista, quanto a liturgia de um momento que para mim era sagrado.

Por isso, senti-me aquecida quando escutei Isabella Perazzo tocar a música “Tristesse”. Ouví-la, quebrou a rotina dos meus dias de quarentena e transportou-me para um lugar mágico, sem palavras, nem despedidas...A sala do piano.

abril 23, 2020

Homenagem a Tia Creuza















Nessa época de pandemia da Covid-19, quando o isolamento social se impõe e sobra tempo para as lembranças, faz-se necessário ouvir o apelo do nosso coração e deixar que o cotidiano seja a pauta a derramar-se pelas teclas do computador.

Era o ano de 1955/56 quando eu, menina, acompanhada por Mãe Julia, Laíce e meu Irmão Francisco nos dirigíamos para o curral, localizado nos fundos da casa grande de tia Creuza. Lá, ela ordenhava as suas vacas e nos servia um leite morninho, misturados com o açúcar e a canela, que havíamos colocado em nossos copos, antes de sairmos da nossa casa. Após apreciar a bebida, Mãe Júlia e os outros tinham pressa em voltar para os afazeres domésticos. Eu, não! Gostava de brincar com os animais, de montar nos cavalos mansos e de subir nos muros, para recolher as buchas vegetais que abundavam por cima dos telhados. Com elas, nós tomávamos banho de verdade, com direito a esfoliação de pele e retirada do grude, aquela sujeirinha que a preguiça não reconhecia. É, hoje, é dia de saudades! A Covid-19 recolheu as suas garras e, por enquanto, está passando longe de mim, pela Graça e Misericórdia de Deus! Por isso, aproprio-me das recordações, recém-saídas do berço da memória, e faço delas uma colcha de retalhos, para agasalhar-me, nesse momento, em que as horas passam lentas e arrastadas. Como é importante ter boas lembranças, quando a solidão é nossa única companhia! E, eu tenho. A minha tia Creuza é uma delas!

Lembro-me de nós duas nas matinês do Cine Capitólio, em Campina Grande, assistindo aos filmes: E o Vento Levou, Cleópatra, Dr. Jivago, entre tantos. E, de como chorávamos, disfarçadamente, quando a película era triste e romântica. Em compensação, saíamos do cinema felizes porque logo chegaríamos à sorveteria Flórida, para tomar sorvete de castanha e ameixa. Era uma festa! Ainda, hoje, é o meu sorvete preferido! 

Ah, tia Creuza, com você aprendi tantas coisas! Quando ia passar o fim de semana em sua casa, o fato que mais me chamava a atenção era vê-la sair do banho, linda e cheirosa, depois de um dia exaustivo de trabalho no curral e na cozinha, sem falar no desvelo para com os filhos. Ao perceber a minha admiração, você exclamava, toda faceira: “- preciso me cuidar, pois já já o meu velho chega do escritório! ” Lembro-me, da sua elegância, dos seus olhos verdes emoldurados por cabelos sempre bem penteados e da sua disposição, apesar da luta e do cansaço da lida, para acompanhar a mim e as suas filhas nas tertúlias do Campinense Clube. Como eu a admirava pelo amor e pela cumplicidade com as suas filhas. Certa vez, vi você com lágrimas nos olhos, porque o namoro de uma das suas filhas tinha acabado e lhe era impossível ficar indiferente ao sofrimento dela. Vi também, a sua euforia, quando uma delas venceu o concurso de garota do milho, no Colégio Alfredo Dantas. Naquela ocasião, nada me encantou mais do que ver o seu entusiasmo e a sua vibrante torcida. Parecia que a vencedora do concurso era você! Entre essas e outras memórias, também me vejo fazendo-lhe companhia quando foi dar à luz a um dos seus filhos, na Maternidade Elpídio de Almeida. Lembro-me, ainda, de tê-la acompanhado nas lojas de tecidos, sapatarias e na casa da costureira, que ficava nas proximidades da igreja de Santo Antônio. Certa ocasião, aconteceu uma coisa engraçada. Você comprou o mesmo tecido para confecção da roupa do Natal, para mim e suas filhas. E, no dia 24 de dezembro, entre risos e faces ruborizadas, saímos as três a desfilar pela movimentada rua Maciel Pinheiro, rezando para que nenhuma das nossas paqueras nos vissem vestidas como pares ou trios de jarros. Quantas lembranças! Quantas saudades!

Escrever sobre você, nesse momento, é tocar as teclas do computador e, nelas, deixar vir à tona as saudades que sinto da sua luz, da sua alegria, do seu carinho e da admiração que sinto, sobretudo, pela sua coragem de povoar o mundo com tantos rebentos. Não existem mais mulheres assim, com tanta valentia e disposição, nos tempos atuais. Você criou um tempo mágico e fez as suas horas se multiplicarem, de acordo com a necessidade do outro. E, não havia reclamações, nem cansaço, tampouco uma recusa, quando o outro era o filho que exigia mais atenção, cuidado ou que, ao fim de toda essa jornada diária, ainda lhe pedia para sentar-se ao piano e dedilhar o tango La Cumparsita, coisa que executava com paixão. Ah! Tia Creuza, escrever sobre você me trouxe de volta a um tempo feliz e renovou as minhas esperanças por dias melhores. Obrigada!

março 18, 2020

O Que Aprender em Tempos Difíceis

















"É possível acariciar as pessoas com as palavras”.

A Covid-19 está transformando a nossa rotina, mas podemos lutar contra isso com pequenos gestos de amor e solidariedade. Em que pese o triste fato de que muitas pessoas estão morrendo e a economia mundial está em crise, podemos enfrentar este momento com cautela e reflexão. O cimento crítico do olhar em direção às pessoas, tem que ser substituído por uma conduta mais amorosa, solidária e permanente. 

Todos precisamos uns dos outros. Ninguém é uma ilha! E, além do mais, em dias difíceis, quando algo foge ao nosso controle, devemos nos perguntar: 

- o que isto está querendo nos ensinar?

Sempre há uma resposta e ela ressoa em nós de acordo com as atitudes que tomamos no dia a dia. A Covid-19 vem nos alertar sobre a nossa vulnerabilidade e impotência. Vem para escancarar o quanto desperdiçamos os dias, meses e anos com coisas de somenos importância. Vem para nos mostrar que não importa quão rico, sábio, poderoso ou inteligente possamos ser, ela nos alcançará e ao pó retornaremos. E, diante das cinzas, nada mais tem importância!

Sabe, aquele título de doutor que ostentamos com tanto orgulho e empáfia; aquela cobertura no edifício mais chique da cidade; aquela viagem à Europa feita tantas vezes, como quem vai ali e volta já; aquele dinheiro guardado em paraísos fiscais e fotos postadas nas redes sociais mostrando o quão bela é vida?
Pois bem, tudo isso se perde no fundo de uma gaveta que não se abre mais. Da última viagem, ninguém volta! 

Por isso, meus amigos, vamos encarar a Covid-19 como uma lição a ser aprendida. Que este momento em que vivemos um isolamento social forçado, nos faça refletir sobre os nossos afetos, sobre a maneira como temos conduzido a nossa vida e sobre o nosso silêncio e omissão diante da dor, do abandono e da solidão alheia. Se faz necessário também, formarmos uma corrente de solidariedade para que ninguém se sinta desamparado. 

Para isso, façamos uso das palavras! Elas têm poder. De vida ou de morte! Se não podemos visitar nem dar assistência ao outro, sem que isso coloque a nossa vida em risco, aprendamos então a acariciar as pessoas por meio das palavras.

Agora, sim, é hora de fazer bom uso das redes sociais! Façamos ligações de vídeo, usemos o celular para conversar, escrever palavras amorosas e de conforto. Enviemos mensagens de ânimo! Pois, dessa forma, ao final de toda essa pandemia sairemos melhores do que entramos, nesses tempos difíceis. E o amor e a solidariedade serão tochas que manteremos acesas por todo o resto de nossas vidas.

fevereiro 09, 2020

O Catador de Lixo e a Professora













Ele aparentava ser um homem feliz. Era uma dessas poucas pessoas em quem as marcas e os infortúnios da vida não conseguiram produzir ranhuras. A sua pele tinha o frescor da juventude e o seu coração batia com ardor, quando subia todos os degraus daquele prédio de luxo, à beira-mar, para o recolhimento do lixo. Morava no interior do sertão nordestino, mas viera à cidade grande em busca de dias melhores. Queria trabalhar e estudar. Ser Doutor! Tudo o que conseguiu foi uma vaga de catador de lixo. Cotidianamente teria que percorrer todos os andares daquele majestoso edifício, para recolher os detritos oriundos das mesas fartas e dos lautos banquetes, que vez ou outra, a esquina dos seus olhos conseguia enxergar. Tempos sofridos! Dia após dia o seu corpo doía de tanta falta. Falta, principalmente, da família e dos afetos abandonados naquela região longínqua, onde o seu jovem coração ficou sepultado para sempre. Todo o fim de mês tinha contas a pagar e escolhas a fazer. As poucas moedas que provocavam barulho no bolso da sua calça puída, pareciam lembrá-lo da sua triste condição: era mais um brasileiro, um nordestino a sonhar com esperanças vãs. Alguns meses se passaram, mas a realidade daquele jovem aprendiz não mudou. No entanto, ele continuou trabalhando com obstinação. Havia costurado no corpo uma vontade férrea de seguir adiante e uma resiliência de causar inveja a qualquer um. Nada o demovia do seu objetivo de ser Doutor.


Certa vez ao executar o seu trabalho encontrou entre os sacos de lixos recolhidos, uma pequena fortuna: livros! A partir daí a sua vida transformou-se. As horas de saudade e solidão foram sendo substituídas pela leitura e no brilho do seu olhar começou a chover arco-íris! Tudo era beleza e vida naquela sopa de letras que encantavam os seus olhos. Até a falta da família e dos afetos, deixados em terras distantes, ficaram como um borrão esquecido em sua memória. Com a passagem do tempo foi promovido a porteiro e as horas de leitura ficaram maiores, apesar da imensa responsabilidade de vigiar o entra e sai daquele prédio. Durante o dia o serviço exigia mais atenção, porém a noite, com as suas horas arrastadas, passou a ser curta diante da avidez e da fome de conhecimento daquele rapaz. Nos meses seguintes à promoção ele devorou livros, muitos livros. Todos os que lhe caiam em mãos. Tinha fome de palavras! Gastava as horas lendo, lendo. Até que um belo dia ele conheceu a professora. Uma jovem residente do edifício onde ele trabalhava e que tinha por hábito sentar-se à beira-mar para ler e contemplar o pôr do sol. Tímido, mal a cumprimentava, embora tivesse em seu coração o desejo de trocar algumas ideias com aquela que era considerada por ele a fada madrinha, o norte, a mão estendida, a ponte pela qual ele teria que atravessar para chegar ao lugar do seu sonho: ser Doutor! Flertava com a possibilidade de arrancar-se daquele silêncio de palavras. Queria conversar com a Doutora, contar-lhe sobre o seu desejo e pedir-lhe orientação. 

Por fim, essa hora chegara! Munido de coragem, com um largo sorriso e brilho nos olhos ele abordou a professora e falou-lhe dos livros que lera. Daí em diante o milagre da multiplicação das palavras ocorreu e uma bela amizade surgiu. Com ela mais livros, conversas, troca de ideias, sábias e serenas discussões. Então, o catador de detritos, agora promovido a porteiro, ensinou a professora que em um país onde cultura e educação estão sendo jogados em sacos de lixo, vale a máxima de que sonhar e resistir é preciso. Encarcerar esperanças, jamais! Pois, como ele sempre repete: tiram-me o direito à saúde, à cultura e à educação, mas o conhecimento é patrimônio meu. E é com ele que eu vou mudar o destino do meu país! Quem viver, verá!

janeiro 16, 2020

A Cadeira e o Olhar






Esta cadeira tem mais de 100 anos. Ela pertencia ao meu Pai/Avô, Chico Maria, e estava sob os cuidados de sua filha Marluce. Hoje, depois de um belo e minucioso trabalho de restauração, feito pelo artista plástico, Lairson Beserra, tive a grata surpresa de recebê-la, de presente, pelas mãos da minha sobrinha Rosário. Nela, vou ninar o trineto de Pai/Velho e contar a história a seguir. 


A Cadeira e o Olhar


O olhar de uma pessoa reflete a sua alma! Existem almas para todos os gostos! Há os que olham para esta cadeira e veem apenas uma cadeira, outros veem uma história... Uma vida! Vou contar-lhes sobre a minha visão, pois ao revisitar as gavetas da memória, “o tempo, este compositor de destinos,” costura a minha vida com doces lembranças, à medida em que viro páginas e páginas de um passado ainda tão recente. Pois bem, hoje, ao deparar-se com a imagem desta cadeira, o meu olhar transbordou de saudades e as lembranças foram se debulhando, uma a uma. A primeira delas foi a figura do meu pai/avô, Chico Maria, sentado sobre esta peça de mobília tão antiga, contando com mais de um século de existência. Então, lembrei-me de uma frase do escritor Ivan Martins: “o tempo pode ser adiado por fora, mas por dentro ele se instala”. É, o tempo se instala quando nos permitimos acessar recordações, que ficaram preservadas na memória como se fosse um relicário. Nesta hora, fatos, paisagens, lugares e pessoas costuradas dentro da gente contam a história a seguir.

Era um dia de sábado. Dia de tensão! A cadeira de balanço não balançava! Nela, um senhor de aspecto severo e circunspecto contava as cédulas, enquanto o suor lhe escorria pelo rosto. Havia chegado da feira livre, há poucos minutos, e o balaieiro (homem que carregava em um balaio as compras dos fregueses) ainda esperava pelo seu pagamento, quando eu, menina, aos 4/5 anos de idade começava a cantilena:

- Painho, me dá minha mesada! Ao que ele respondia:

- Menina, não vê que eu estou ocupado?

E, eu, insolente, continuava com a minha ladainha, a cada cinco minutos:

- Painho, me dá dois mil reis; - Painho, aumenta a minha mesada, até ver a paciência dele esgotar-se e ouvir em alto e bom som: 


- Menina, tá pensando que dinheiro é hemorroida?

Na minha inocência eu não entendia a comparação, mas me calava, pois sabia que a insistência me levaria ao castigo. Horas depois, bem mais calmo e apaziguado com as suas contas, ele me botava no colo e me entregava as tão sonhadas moedas, junto com um cacho de pitombas que ele comprava para mim, e para o meu irmão, Chiquinho. Aí, lá se ia eu a correr atrás do sorveteiro; do homem que vendia algodão doce; do pirulito de chocolate, da venda de seu Nilo e das macaíbas e jatobás da feira livre. Em um instante, acabava-se o meu suado dinheirinho e eu voltava para casa satisfeita com as compras que adoçavam a minha vida e a minha boca. Mas, sim, estávamos falando de uma peça de mobília! À medida que o calendário dos dias ia passando, as palavras do meu pai/avô se faziam habitar em minhas lembranças, de maneira indelével. Sentado na sua indefectível cadeira de balanço ele espreitava o tempo e contava histórias. Como esquecer a sua viagem de João Pessoa à Campina Grande, a pé, enquanto a fome lhe dava um nó nas “tripas”, até encontrar a casa do compadre, no meio do caminho. Ali, lhe foi servido o melhor caldo de um feijão que restou na panela e, que a cozinheira colocou em prato usado e limpo, com um pano de prato tão sujo, que até o pano de chão parecia mais asseado. Como não lembrar das conversas, lições e valores passados como honestidade, honradez, dignidade e, mais que tudo, do cumprimento da palavra empenhada!? Da sua cadeira de balanço eu vi a vida passar em exemplos de solidariedade e de justiça, entre tantos. Vi também o seu ar de preocupação e perplexidade quando o seu filho Chico sofreu um acidente de carro; quando o padre da igreja trouxe notícias do outro filho, Tota, que se meteu em uma encrenca; quando lhe trouxeram a notícia de que seu genro Sebastião havia sido assassinado, ao apartar uma briga numa festa de São João e, quando lhe informaram que a sua neta Eliane havia fugido, para se casar com George, o namorado da juventude. Na mesma cadeira de balanço espreitei as suas negociações com Zé do Sedo, com dona Judite, a famosa doceira de Campina Grande, responsável pelo bolo, doces e salgados do casamento de sua filha Marluce. Ouvi as conversas e os ajustes dos empréstimos aos amigos e a confiança ilimitada de que o fio de bigode valeria mais que uma nota promissória assinada, mesmo contrariando o conselho de sua esposa, que o alertava para um possível calote. No entanto, nada o demovia de suas convicções. Um homem só tem uma palavra, dizia você: - sim ou não!

É, Pai Velho, foram tantas as lições aprendidas sem que uma única palavra fosse emitida, nesse sentido, que o eco das suas palavras ainda ressoa em mim. E, agora, quando olho para esta cadeira, me perco nas saudades e fico parodiando a letra da canção, Naquela Mesa”, de Sergio Bittencourt: “ nesta cadeira `tá’ faltando ele e a saudade dele ’tá’ doendo em mim. Ao tempo em que também agradeço por tê-lo por perto na época da minha formação como mulher e cidadã. Obrigada, Meu Pai!