Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

novembro 23, 2020

Ting Liguin Ting– Olha o Cavaco Chinês!

 

 









As lembranças são colchas de retalhos que nos agasalham em tempos de frio, solidão e saudades que irrompem sem aviso prévio. Algumas delas – as saudades - são motivos de celebração. Elas se manifestam pelas frestas da memória quando um olhar, um som, um cheiro ou perfume desperta os nossos sentidos. Desta vez, foi uma imagem! Imagem que evocou um som: ting liguin ting... olha o cavaco chinês!

Esta imagem, e este som agradável que ecoou durante anos em meus ouvidos, chega hoje à Igreja Catedral, em Campina Grande, pelas mãos de Maristela Feitosa. Uma amiga de infância.

Ao abrir a página do Facebook encontro a fotografia do cavaco chinês e a sugestão dela para um possível texto. A princípio, pensei em rechaçar a proposta. Tinha o argumento na ponta da língua: não sei escrever por encomenda!

Então, recordei-me da hóstia que recebi durante a minha primeira comunhão e vi analogia entre ela e o cavaco chinês. Ambos, remetiam-me ao território sagrado da infância.

Na década de 1950, eu recebi o sacramento da Eucaristia. Um encontro que selou a minha intimidade com Deus. Naquele dia, eu alberguei, nos cercados da memória, a recordação mais doce de que eu tenho do Pai.

Aos meus olhos de criança, Ele tornou-se alimento para o meu espírito, em forma de cavaco chinês. Na inocência dos verdes anos eu deduzi que os dois – cavaco chinês e hóstia - tinham a mesma textura e sabor. Um e outro lembravam infância, pureza, fé e alegria.

Hoje, eu constato que eles também têm sabor de saudades! Saudades que evocam a presença do Invisível, em uma oração sem as palavras costumeiras...

A meu ver, no ato de receber a hóstia – com a textura que lembrava aquela guloseima - Deus humanizou-se para hospedar-me. Ele se ofereceu em amor, refúgio, fortaleza e agasalho para os tempos frios e solitários que estavam por vir.

Pois bem, neste momento, a saudade veio para redimir-me! Ao cobrir a nudez dos meus pensamentos com a colcha de retalhos feita de lembranças, lembrei-me de que os sinos dobraram por mim, naquele dia, da minha primeira comunhão, na Igreja Catedral, em Campina Grande.

Era o Pai, o Filho e o Espírito Santo perdoando os meus pecados e dando-me boas-vindas!

Gratidão, por lembrar-me Maristela! Cavaco chinês é “sinônimo” de perdão e celebração.

Nenhum comentário: