Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

julho 16, 2020

Os Quintais da Minha Infância


 









As folhas da memória farfalham, numa dança festiva, obrigando-me a abrir o baú das minhas saudades esquecidas. Lembranças e sentimentos guardados pedem alforria e deixam para trás o rascunho dos pensamentos. Hoje, eu vou falar sobre os quintais da minha infância.

Um olhar de espanto me sobrevém, nesse momento, quando constato que passaram-se muitos anos, todavia as recordações ainda têm o frescor dos tempos idos. O verde, esperança que abrigou-se sob o teto das minhas memórias, exala agora o perfume das goiabeiras.

Os quintais de dona Judite, de dona Nenê e de dona Ziza eram o meu lugar no mundo. Três recantos mágicos onde eram saciadas a fome de alegria e de felicidade. Elas tinham um zelo incomum pelos seus pomares e a vigília era constante. O que me deixava triste! Porque, na maioria das vezes, eu só podia usufruir desse ambiente por meio do olhar e da contemplação.

Imagine o meu suplício! Entrar no reino encantado da “fantasia comestível” e não poder exercer o livre arbítrio da gula. As minhas mãos comichavam de vontade de tocar, de sentir a textura daquela fruta tão bela e apetitosa. E a boca tinha um desejo premente de provar o fruto proibido.

Às vezes, eu encontrava algumas goiabas envolta em um pano e ouvia a explicação de que isso as protegia dos insetos. Pense numa frustração! E, também, na vergonha! Além de não poder tocá-las, algo me impedia de acariciá-las com o olhar naquele momento. Este fato só aumentava a minha culpa, pois na inocência da idade intuía que o inseto era eu. Que a ânsia que tinha pela fruta estava escrita nos meus olhos. Por isso, a vigília das proprietárias dos sítios e a vergonha de ver as minhas reais intenções descobertas.

Foram anos de observação e sofrimento. Nas raras ocasiões em que me foi permitido saborear aquela fruta, não saciei nem a fome, nem o desejo. Queria um pé de goiaba para chamar de meu...

Revendo agora essas lembranças eu chego à conclusão de que além do gosto pelo fruto da goiabeira, o que mais me encantava era a cor verde das suas folhas e frutos banhados pelas gotas de orvalho da madrugada. Um espetáculo que trazia brilho aos meus olhos e me remetia à esperança, à alegria e à felicidade.