Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

julho 15, 2009

Eduardo e Jorge,






No dia 22 de novembro de 2008, escrevi aqui o texto “Minha Casa, tem história!”
Nele, coloquei a minha alma e as minhas lembranças... 
Hoje, ao abrir o site da Tertúlia Virtual, lá estava ele – o caminhão de mudanças – de novo, a me despejar dos meus sonhos.
Ah, meus amigos, decididamente vocês não sabem o quanto me fizeram feliz. Eu estava ‘sem-teto’ e, aqui, encontrei abrigo. Obrigada!


"Minha casa, tem história!”A minha filha, preocupada com a minha segurança e o meu bem-estar, verbalizou dessa maneira o seu receio:
- Minha mãe, venda esta casa! Ela ficou espaçosa demais para você, depois que saímos.

Respondi-lhe no ato:
- Filha, a minha casa é um país dentro do meu país. É a minha pátria de intimidades. Ela tem cor, cheiro, som, passos e lembranças. Ela tem história! ... E se me tiram o chão, eu me torno estrangeira de mim mesma.

Ela ainda tentou argumentar, mas foi vencida pelo peso das minhas lembranças.
Disse-lhe eu: Triste é o homem, que não cultiva suas memórias!

- No passado, morei em outra casa, por força das circunstâncias fui obrigada a deixá-la e até hoje, depois de tantos anos, o caminhão de mudanças continua estacionado no mesmo lugar. É que uma menina de olhos tristes e lágrimas silenciosas, vendo-se sem saída, indagou ao motorista: - moço tem espaço aí para levar os meus pertences?

Ele respondeu: - tem, pode ir buscar. Ela, então, olhou-o bem dentro dos olhos e pediu-lhe que a ajudasse a transportar às suas lembranças. Aqui estão: a minha infância, e a felicidade correndo no meu corpo de criança, sorriso fácil, abraçando o mundo. Tem o pé de cajá – cobrindo de amarelo o chão, na madrugada - a goiabeira de onde recolho os frutos quando abro a janela do meu quarto, os pés de pinha, de groselha, de abacate e de mamão. E ainda, o flamboaiã amigo, onde instalei um balanço de cordas para recolher das nuvens, o algodão doce das minhas fantasias. Tem a horta com o verde das alfaces, coentros e pimentões lembrando-me a cor da esperança, e o tomate em seu tom vermelho, dizendo-me que em breve será tempo de paixões. Ah, não posso esquecer o jardim com suas rosas, dálias, cravos e margaridas. Como é bonito ver o orvalho da madrugada depositar as suas gotículas sobre as flores, e sentir o perfume que delas emanam misturando-se na manhã seguinte, ao cheiro que vem da cozinha. E, como é alegre a cozinha da minha mãe e doce a sua figura, a mexer no tacho de canjica, a costurar as pamonhas, a assar o milho verde, preparar a tapioca fresquinha e um delicioso bolo baeta, sempre, acompanhado de uma xícara de café. Tenho, ainda, passeando sobre as minhas memórias, o cheiro da galinha de cabidela, do cozido inigualável, dos famosos bolinhos de bacalhau, das rabanadas e dos perus assados no forno, ajudando-me a lembrar dos sons.

O crepitar do fogão à lenha é um espetáculo à parte: lembra-me o meu tio Chico e os seus fogos de artifícios nas noites de São João. A fogueira acesa provoca o calor que nos aquece, nessa época em que o vento frio anuncia que a canção da chuva vai tocar em nossos telhados. Um som de piano, e as minhas tias Marluce e Laice a dedilharem canções de amor, noite adentro; só interrompido quando o canto do galo já se faz ouvir. Nessa hora, os passos suaves de mãe Julia se aproximam e ela nos diz que a manhã já se avizinha, desejando-nos bons sonhos.

O beijo de boa noite, agora, seu moço, tem gosto de saudades. Os contos de fadas e todas as fantasias que povoam o meu mundo infantil, com seus jogos e brincadeiras, pedem socorro: Por favor, ajude-me a transportar as minhas lembranças! Tem espaço aí?

O homem olhando-me entre lágrimas, disse: - menina, essa mudança eu não faço por dinheiro nenhum! A sua casa tem história. E partiu, deixando o caminhão estacionado para nunca mais voltar.

12 comentários:

FaBiaNa GuaRaNHo disse...

Que a nova IDEIA deles nos abrace e acalente, órfãos que estamos desta Tertúlia.
e nunca esqueça, que nunca estamos sozinhas.
Bjs

Gaspar de Jesus disse...

Olá JULIÊTA
Gosto desta sua postagem!
Há coisas que são nossas por direito próprio e a casa é uma delas.
Considero-a mesmo como a nossa segunda pele.
Parabéns amiga e obrigado pela amável visita

Gisele Amaral disse...

Que história deliciosa de ser ouvida!
Adorei a sensibilidade e o trocadilho de situações: a vida é mudança, é recomeço, é morte e renascimento. Aprendamos, pois, a respeitar os ciclos da vida!

Um cheiro!
=*

Mírian Mondon disse...

Julieta minha flor! Que texto lindo, que viagem sensorial voce me proporcionou! De uma delicadeza, de uma beleza impressionante. Fiquei encantada, parabens!
E saiba que sua amizade me traz muita alegria!

beijos

Jorge Pinheiro disse...

A TV tem história, o Eduardo contou, e fica na história. Uma história efémera que é a da blogosesfera, mas é nossa. Obrigado po participar e continue conectada...

Anônimo disse...

Julieta,

só consegui chegar a esta hora! Foi muita correria este fim de Tertúlia, mas no fim tudo da certo! Agradeço MUITO sua participação tão carinhosa para com o Jorge e comigo!
Outras brincadeiras virão. E vai depender só de nós fazer dela outro sucesso como foi a TV.

Bjs

Compondo o olhar ... disse...

lindo... muito bem escrita e o sentimneto flui junto!!! pena que esta seja a última tertulia, mas com ela fica a amizade e o carinho que ela nos proporcionou a todos nós!!! aguardamos novos projetos destes amigos incriveis...

bjocas

ps: tbm participo.

Eduardo Santos disse...

Olá Julieta. Não fique triste, porque esta tertúlia também tem história, se foi isso que nos quis transmitir. A tertúlia era a "nossa casa" em certo sentido, agora que fomos "despejados"(?)vamos continuar a recordar esta história até que possamos entrar noutra. Tudo de bom para si amiga.

Anônimo disse...

Julieta querida,
Fiquei chateada com o fim da Tertúlia, mas os meninos prometeram que trarão novos projetos, então vamos esperar!
Bjos,
Paulinha

Carla S.M. disse...

Que texto mais lindo. Que lembranças lindas e que infância maravilhosa. Fiquei muito emocionada, pois eu também deixei lembrancas que não cabiam na mala por maior que ela fosse, quando me mudei para este império em crise.
Um beijo bem grande.

Anônimo disse...

Obrigado por essa sua participação. Ainda bem que o Jorge já tinha em NOSSO nome visita-la! Mas, ainda que tardiamente, deixo meu abraço e gratidão pela sua postagem!

Bjs Juliêta!

Laura_Diz disse...

Lindo texto,emociana a gente, bj Laura