Querido Deus,
Chove lá fora e aqui dentro também. Tenho uma consciência torturada e um coração que sangra em lágrimas pelos meus erros. Rezo para acalmar-me, mas as contas do Rosário já não são suficientes para redimir-me. Então, para expiar a minha culpa, coloco a multidão dos meus pecados diante de ti, e te peço a absolvição.
Senhor, eu pecador, confesso: quando nasci me foram apresentadas páginas em branco, para que nelas eu escrevesse a história da minha vida. Não fui capaz! Maculei a brancura das pautas e incorri em desonra quando professei o meu credo. Não, não fui cristã! Não honrei a morte do teu filho! Ele, sim, cobriu os meus pecados com o sacrifício da cruz e, em troca, pediu-me apenas o amor e compaixão pelos meus semelhantes. No entanto, eu falhei, tropecei e caí naquele que considero o mais importante de todos os mandamentos: fazer ao outro aquilo que deseja para si mesmo. Não, eu não fiz! Nem sequer tentei com afinco. Ao primeiro sinal de invasão de privacidade, no terreno dos meus quereres: de poder; de honra, de glória; de ambição por riquezas e bens materiais, eu desisti. Renunciei à ideia de ser boa, de amar, ser compassiva e misericordiosa quando percebi, também, que os holofotes da fama não estariam mais sobre mim. E, em nome disso, cometi erros atrozes quando pratiquei o lado avesso da bondade, da compreensão, do perdão e da humanidade da qual eu estava imbuída. Fui inimiga feroz daqueles que não comungaram do mesmo ideal que eu e de quem se recusou a rezar por minha cartilha. Fechei a cortina dos meus olhos para quem era diferente de mim em cor, raça, credo e etnia. Investi-me no cargo de juíza e a partir daí, fui a mais cruel das inquisidoras. Dedo em riste, julguei e condenei a quem ousou discordar de mim, classificando-os de inimigos da Pátria. Exilei-os para não ouvir o clamor das suas vozes. Foram tantos: judeus; negros; LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais); portadores de necessidades especiais; quem estava acima do peso e tantos outros, excluídos porque professaram uma ideologia diferente da minha.
Por isso, agora, nesse intervalo de tempo e de isolamento social, em que eu sou obrigada a reconhecer o bulício da vaidade; da cobiça; da ganância; da sede de poder a qualquer preço e de tantas outras mazelas e injustiças que pratiquei ao longo da minha vida, eu venho, por meio desta carta, pedir à absolvição dos meus pecados, invocando o nome e a súplica do teu filho, Jesus:
- “Pai, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem”.
Ainda que eu esteja arrependida, com a consciência torturada e um coração que sangra em lágrimas pelos meus erros, eu faço uma ressalva:
- Sim, nós sabemos Jesus! Nunca somos inocentes!
Ainda assim, eu te peço perdão. Meu Deus, pela multidão dos meus erros! Perdoa-me, setenta vezes sete! Quem sabe, um pouco mais!?
Um comentário:
Que linda e comovente, profunda carta ao Pai! Ele certamente sabe perdoar e entender o quanto somos falhos! Adorei! beijos, fica bem,chica
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