Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

julho 23, 2020

Lavanda - O Perfume dos Meus Afetos















Lá fora, tudo é silêncio! De repente, um vento cortante invade a janela do meu quarto. Ouço o barulho das ondas. O mar que ela tanto amava açoitado pelos ventos, geme de saudades. O cheiro do sargaço acorda a memória olfativa. Um nome avulta na galeria dos meus pensamentos e as minhas letras se vestem de ternura. Lembro-me de Laíce!

No altar dos meus sentimentos eu apaguei a vela que mantinha acesa em sua memória. Quis atropelar às horas e ao tempo de luto para não sofrer com a sua ausência. Ledo engano!

Ainda assim, a sua lembrança se faz presente no marulho das vagas e no som de um piano, ao longe. Lembro-me da minha tia/irmã quando escuto a canção “João Valentão” de Dorival Caymmi e quando vejo florir o abacateiro.

Lembro-me, mais e mais, quando a memória olfativa traz de volta o perfume “English Lavender” da Atkinsons. A sua e a minha fragrância preferida.

Neste vidro, contêm a história dos meus afetos. Uso esta lavanda há cinquenta anos. Ela reporta-me ao tempo em que eu visitava Laíce, que morava em um pensionato, localizado à Rua General Osório, no centro da cidade de João Pessoa. Foi minha tia/irmã quem me apresentou o perfume.

Naquela época, eu tinha entre quinze e dezesseis anos e morava em Campina Grande. Laíce havia passado em um concurso e mudara-se para a capital do estado da Paraíba, fazia anos. Quando ela partiu eu desejei que o cheiro da lavanda que a acompanhava, fosse igual às migalhas de pão, da história de João e Maria. E que no rasto desse aroma eu encontrasse a possibilidade de um novo encontro e a certeza do seu afeto.

Lalinha, como eu a chamava, foi uma das pessoas mais importantes da minha vida. Foi tia, irmã, segunda mãe, amiga e confidente. Um cofre de segredos guardados.

Diante desse fato, não é de se estranhar que eu tenha dedicado tanto tempo a esquadrinhar cada recanto das lojas que visitava à procura da “English Lavender” da Atkinsons. As franquias do Brasil deixaram de vender o produto. Todavia, eu continuei com a minha busca.

Em 2019, eu fui visitar a minha filha em Madrid. Certo dia, quando saímos a passeio pelas ruas da cidade, nos deparamos com a vitrine da loja Primor. Atraídas pela variedade dos seus perfumes nós entramos e lá eu encontrei a minha fragrância preferida. Imagine a minha alegria! Comprei 620 ml de lembranças e de saudades.

Por isso, nesse momento, onde tudo é silêncio e o cheiro do sargaço acorda a minha memória olfativa, eu ainda coloco um pouco da lavanda sobre os meus pulsos, para manter acesa a tocha do amor e do meu carinho por você, Laíce.

O perfume transporta-me para um lugar onde o meu corpo não pode ir. Não importa! Ele põe em fuga a dor e a tristeza pela sua ausência. Nas minhas lembranças... Você é vida!







2 comentários:

chica disse...

Que linda e delicada saudade... Fez lembrar de minha mãe que adorava lavandas e essa essência! Lindo como escreves e descreves!Adorei! beijos, tudo0 de bom,chica

Thainah Nóbrega disse...

Que lindo tia, me fez lembrar de muitos momentos com minha voinha.