Reconstruindo Caminhos

Reconstruindo Caminhos
Escrevo porque chove saudades no terreno das minhas lembranças e na escrita eu deságuo as minhas urgências, curo velhas feridas e engano o relógio das horas trazendo o passado para brincar de aqui e agora... Costumo dizer que no calçadão da minha memória há sempre uma saudade de prontidão à espreita de que a linguagem da emoção faça barulho dentro de mim e que, nessa hora, o sal das minhas lágrimas aumente o brilho do meu olhar e uma inquietação ponha em desalinho o baú de onde emergem as minhas lembranças, para que eu possa, finalmente, render-me à folha de papel em branco...

agosto 05, 2020

A Hora do Adeus


















Em abril de 2011, eu escrevi “Tempo de Despedidas”.
Um texto para eternizar as memórias da Casa do Brisamar. Comprei um apartamento na praia, enquanto decidia a venda do imóvel.
O curso da vida exigia-me coragem e determinação para fazer a mudança, mas o passado era um foco de resistência a ser vencido.
Então, eu fui adiando a hora de dizer adeus. Sou taurina! Não sei partir.

Trocar de domicílio não é tão fácil como parece.
As paredes, os móveis e os utensílios domésticos carregam histórias e significados. 
Somos construídos por meio da liturgia afetiva do lar.
A casa é a nossa pátria de intimidades. A nossa primeira fome de infinito. A certeza de que sempre teremos para onde voltar.

Como não lembrar dos tempos de dificuldades que passamos, para que o sonho da casa própria se concretizasse? 
Cada tijolo comprado e cada parede levantada implicava uma renúncia, um abrir mão do carro; do telefone; da jóia de família; viagens, entre outras coisas.

Como não lembrar do dia em que as obras terminaram e tomamos posse da nossa residência. 
Daí por diante, tudo era motivo de comemoração: os novos móveis, a geladeira; o fogão; a máquina de lavar; a televisão; o liquidificador; a batedeira e o ferro de passar. 
Todos devidamente aplaudidos com o entusiasmo de quem está iniciando uma nova vida.

A Casa do Brisamar era um lugar musical!
Todos que a visitavam diziam que ela tinha uma boa energia. Quando os primeiros raios de sol invadiam o seu jardim, podia-se ouvir o som de um violão, de um bandolim ou de um piano.
Ouvia-se de tudo: Vinicius de Moraes; Tom Jobim; João Bosco; Emilio Santiago; Ivan Lins; Nelson Gonçalves; Jacob do Bandolim; Nara Leão; Nana Caymmi; Elis Regina; Gal Costa; Maria Betânia; Leila Pinheiro, entre tantos.

Como esquecer a imagem da família reunida em torno da mesa, jogando conversa fora, nas tardes de domingo?
E das reuniões festivas onde os amigos comiam e bebiam à farta? 
Como esquecer dos rituais para festejar o carnaval, o São João e o Natal?

Como esquecer da rede, na varanda, em noites de lua cheia e de você, Gilberto, a desenhar ternuras pelo meu corpo, enquanto o riso solto, na madrugada, escrevia um poema de amor para nós dois?

Chegou o tempo de despedidas... Eu sei! 
Estamos em agosto de 2020.
Não dá mais para cultivar as lembranças e regá-las com o sal das minhas lágrimas.
No entanto, apesar dos anos passados, tudo ainda é saudade: o riso das crianças, a mesa posta, a música... E, a sua ausência, Gilberto, que nunca passa!

Por isso, resolvi sair de uma vez por todas.
Chegou a hora do adeus. Da Casa do Brisamar eu levo apenas as minhas roupas e livros.
Perto do mar que eu tanto amo construirei outras lembranças.
Antes de partir, entregarei as chaves da casa para o nosso filho. Daqui por diante, ele e a sua nova família serão os guardiões das memórias desse lugar, pois toda Casa tem uma história com as suas cores, seus cheiros, sons, passos e lembranças. Adeus!

 

Um comentário:

chica disse...

Querida Julieta... Confesso que li atentamente e ao chegar ao final, lágrimas já rolavam! Consegui sentir exatamente toda saudade, tantas lembranças que ali foram deixadas, mas levadas pra sempre no teu coração!Chorei contigo!
Que a nova casa te faça feliz e um novo recomeço signifique! Certamente visitarás a casa pois teu filho ali estará! beijos, fica bem! chica