Quando eu pensei que já havia me habituado a essa "modernidade líquida" e que nada mais me surpreenderia, eis um fato novo a remexer e a desalinhar as gavetas da minha memória, sacudindo e trazendo à tona as minhas saudades esquecidas.
Nada de tão grave aconteceu, mas foi chocante o suficiente para mudar a minha atitude em relação ao mundo digital. Naquela hora eu percebi: sou antiga, saudosista, uma peça de museu...
Sou uma imagem aprisionada nas pausas de fotografias, onde não cabe a liquidez das lembranças que trago hospedadas no peito.
As cenas do cotidiano que passo a descrever, agora, me constrangem.
Provocam em mim, vergonha alheia.
Fui ao velório de um familiar e na hora em que o padre começou a encomendar o corpo alguém, em alto e bom som, começou a falar ao celular.
Na missa, na hora da homilia, aconteceu a mesma coisa.
Em teatros, cinemas e reuniões as luzes dos celulares espocam e eu me pergunto: por que essas pessoas estão aqui, se não desfrutam do momento?
Nos restaurantes, lugar de encontro e confraternização, agora só se veem pessoas, entre uma garfada e outra, de cabeça baixa, olhando as mensagens do WhatsApp.
Tudo é silêncio e solidão.
Enquanto isso, a comida esfria, mas está lá nas redes sociais, linda e colorida, para todo mundo ver e aplaudir.
Tudo isso e mais algumas cenas absurdas do cotidiano têm me deixado aflita.
Que futuro terá a humanidade, eu me perguntei, se aquele casal que já beira os 75 anos, se acomoda em um banco de praça, à distância de quase um metro um do outro, e sacam os seus celulares como se o tempo lhes fosse favorável e nada de mais importante houvesse para ser dito...
Aquela foi a última cena que vi.
De imediato, lembrei das frases suspensas que tanto nos incomodam no fim da vida: e, se... eu tivesse dito, feito, perdoado, amado...
Diante disso, antes que essa "modernidade líquida" me sufoque e me faça mergulhar na mais profunda solidão, eu resolvi sair do Facebook, esquecer um pouco o WhatsApp e me desligar de vez em quando da Internet...
Vou procurar os olhos e a companhia de quem me ama.
Quem sabe ainda dê tempo de reconstruir afetos e espalhar ternuras.
Quem sabe os ponteiros do relógio não atropelem o tempo e me deem a oportunidade de acender uma fogueira para ouvir o outro: pai, mãe, filho, amigo ou amante até o apagar da última chama. Quem sabe?
Imagem: Sarah Mesquita
Imagem: Sarah Mesquita
Um comentário:
Espetacular teu texto.As coisas estão demais mesmo! parece que tudo é pressa, tudo é mais importante do que o que temos ao nosso lado. Adorei! E a imagem fala muito! bjs, chica
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