Cansado das entrelinhas e do jogo de palavras que escondem a
nudez da minha alma você propõe uma trégua e pede:
- Fale-me do tempo e
do amor, em tom confessional!
Tento articular
algumas palavras para esquivar-me, mas é inútil. Você tem fome de leão e está disposto a
dilacerar até o último pedaço da minha intimidade. Desde já, assume as funções
do vicariato e fica à escuta. Promete segredo. Diz que veio em missão de paz.
Afinal de contas, hoje, somos apenas bons amigos.
Esgotada, física e mentalmente, por uma luta interna onde as
vozes do meu querer levam-me de encontro à realidade, estendo as minhas mãos,
mostro-lhe três folhas em seus tempos; passado, presente e futuro e confesso-lhe:
- Meu coração era jovem e verde como a esperança! Uma sala
de espera, um lugar onde, pacientemente, eu bordava todos os meus sonhos. Tinha
a alma tatuada com a frase: desistir, jamais! E, um abraço lambuzado de
palavras doces. Naquele tempo, eu não
sentia saudades de mim porque tudo ainda era floração. O relógio, em compasso
de espera, fazia as horas passarem lentamente, enquanto a minha vida
desabrochava em todo seu esplendor, contemplando um belo porvir! Eu me
preparava para viver um grande amor.
Então, eis que surgiu o momento presente e eu deixei a sala para
ganhar às ruas. Estava pronta, amadureci.
Encontrei o amor e fiz dele o inquilino do meu coração. Abri os braços e ofereci-me como agasalho para
os tempos de tempestades e incertezas. Fiz a doação de um sentimento
incondicional. Fui um templo de alegria
e respeito, um porto-seguro, mas de nada adiantou. Você – o amor que eu encontrei
– carregava sempre uma mala, o desejo de partir e o passaporte em mãos. A luz cambiante do momento presente o seduzia
e a inquietação da sua alma viajante transformava o aeroporto em porta da sua
casa. Mal chegava e já estava de partida. Sabe Deus para onde! Quiçá, para
outros braços... Não o vi mais, durante anos.
Porém, quando o futuro começou a mostrar a sua cara e, com
ela, uma solidão desenhada: os achaques da idade, os primeiros cabelos brancos,
as rugas e cicatrizes do corpo e da alma, tudo isso fez você se aperceber de
que as horas passaram inclementes. Já não lhe sobravam anos para tanta
aventura. Por isso, tentou voltar à época da sala de espera – quando o meu
coração ainda era jovem e inexperiente - e procurou o porto seguro do meu
afeto, mas só encontrou a solidão do cais, pois eu também resolvi partir deixando-lhe
apenas um bilhete em tom confessional:
“Meu querido,
Passado, presente e futuro – as três folhas secas - são
partes de uma mesma árvore e podem significar a morte ou a ressurreição. É tudo
uma questão de escolha. Você preferiu a morte. Eu, a vida, mas, agora, é tarde
demais para nós dois. Estou amando novamente. Adeus”!
3 comentários:
Juliêta,
Gostaria de ver essa determinação em muitas mais pessoas. O mundo seria, com toda a certeza, bem mais habitável.
Beijo :)
WOW!!!! Sem palavras, Ju! Vejo-me nas suas palavras. Arrasou! Beijp!
Oi Juliêta
Lindo demais esse 'tom confessional' que me faz lembrar Chico Buarque na música que diz"quando voce quiser me rever já vai me encontrar refeita,pode crer!" hehehe e "quantos homens me amaram bem mais e melhor que voce" kkk
isso é ótimo querida .
Adorei o seu 'tom'- és minha poetinha preferida.
muitos abraços,saudade de ti.
Postar um comentário